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Sobre analogias comestíveis

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

"A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação pela qual devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho de pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer.



Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua sendo milho de pipoca, para sempre!
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas. Só elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser o fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder o emprego, ficar pobre. Pode ser o fogo de dentro: Pânico, medo, ansiedade, depressão, sofrimento cujas causas ignoramos.
Há sempre o recurso do remédio. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro, ficando cada vez mais quente, pensa que a sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente que ela mesma nunca havia sonhado.
Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca que não estoura. O destino delas é triste. Ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém.
Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela, ficam os piruás, que não servem pra NADA. Seu destino é o lixo.
E você, o que é? Uma pipoca estourada ou um piruá?"










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10 Divagações

  1. Gostei bastante das analogias comestíveis, das metáforas, faz-nos refletir realmente.
    Particularmente talvez eu seja um "piruá" ainda.. rsrs. Abraços!

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  2. Nem todos nasceram pra ser pipoca , afinal ,
    se todos fossem pipocas , não existiriam os piruas pra constrastar ...Rs
    Eu , particularmente me considero pipoca .
    Inté a próxima !

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  3. Sei não...pipoca de microondas? E as flores não dão alegria para ninguém? Apologia ao sofrimento, auto-ajuda cerealista?...Eh, velho Alves com sua pedagogia água de salsicha, que não entra, nem sai, existencialista, individualista, narcisista.
    Claro que é aproveitável, apenas com moderação, senão vira mazoquismo, e disso não precisamos.

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  4. Acho que esse negócio de ser 'piruá' ou 'pipoca' é muito complexo e extremista... não dá pra dizer que você é algo terminado, pronto, pois estamos sempre mudando, sempre em transformação. Aí eu pergunto: e depois de nos transformarmos em pipoca, o que viremos a ser? Ficaremos estagnados nesse estado? Pra se pensar...

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  5. Que legal que trouxe o texto de Rubem Alves para cá. Essa verdade me acompanha já um certo tempo e a ela aprendi não na teoria, mas diretamente na prática. Foi difícil. O óleo quente me dava a impressão de que dentro de pouco eu estaria esturricado no fundo da panela em contraste a possibilidade de me tornar em alguém novo. Hoje acredito na beleza na transformação porque eu sou um exemplo dela. Ainda bem que existe o fogo! (Gostei do seu último comentário no meu blog. Fez uma ótima observação. Sim, a Lua também aparece no plano de fundo azul do céu. Talvez eu precise conhecer mais lugares na ordem do tempo) Abraço!

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  6. Rubem Alves, adoro este escritor. Diz tantas verdades!!! E esta é mais uma delas. Claro que o fogo dá medo, é apavorante mas ao mesmo tempo libertador, portador de vida nova.
    Assim é a dor. Nos paralisa, amedronta, mas também nos faz ver o quanto éramos felizes antes e não percebíamos.
    Abraço enorme e ótima semana, meu amigo
    Angel

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  7. Pra mim, nós só nos tornamos 'pipoca' quando chegamos ao fim da vida, afinal de contas, estamos em constante mudança a vida inteira, mesmo aquelas pessoas que pensam não ter mais onde mudar, o que mudar, sempre 'acham' alguma coisa para 'arrumar'. Então, acho que todos somos piruás em transformação.

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  8. Milho, pipoca, piruás, acho que a vida é bem tipo milho de pipoca mesmo, especialmente hoje que todo mundo é materialista. Nós, mulheres, quando passamos a fase boneca de milho e rebentamos, somos a pipoca que cai e ninguém pega do chão. Vai ficando ali, desabrochada mas murchando, até que a areia cubra e alguém misericordiosamente varra pro lixo. Quando era escrava em Letras, fui bolsista e por isso trabalhava na coordenação, pedi pra trazer o Rubem Alves e a coordenadora disse que não, porque não gostava dele. A verdade icomoda!

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  9. Nem sei o que eu sou...mas já passei pela fase do fogo, talves, ainda, tenha muito fogo para passar daqui há pouco. Mas desde criança passei por muitos. Agora o fogo está brando. Mas amei o texto. É assim mesmo, o sofrimrnto só existe porque precisamos aprender com ele,o ser humano aprende pela maneira mais difícil, infelizmente, isso se chama evolução espiritual. Quando estamos no meio do fogo, não podemos perceber isso, pois a dor nos faz revoltados. E é preciso ser assim. Nem sempre quem aceita o sofrimento numa boa, está reagindo da melhor maneira. Ai, que eu filosofei... mas aprendi muito com minhas dores. Bjão

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  10. "Sem sofrimento não há mudança". Aos poucos estou me acostumando com a idéia.

    Levi Ventura

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Muito obrigado por comentar. Sendo contra ou a favor de minhas opiniões, as suas são muito interessantes para mim. Tenha certeza!