3

Sobre roteiros escritos subconscientemente, cuidados paternos e apoio insuficiente.

domingo, 15 de abril de 2012

Desde que me tornei adolescente eu sempre tive por meus amigos mais queridos um sentimento estranho, uma necessidade de proteger, de cuidar, apoiar, meio pai, meio irmão. Nenhum dos meus psicólogos me explicou isso direito, mas também eu jamais abordei esse assunto com eles de forma mais ampla, não por vergonha, mas simplesmente porque tinha outros grilos maiores pra debater.
Ainda hoje sou assim, se me apego demais a um amigo, acabo automaticamente querendo tomar conta da vida dele, guiar seus passos, protegê-lo do mal do mundo, do sofrimento. Uma tarefa que não é minha, talvez nem dos próprios pais dele, mas ainda assim eu tento desempenhá-la. Nem sempre acaba bem.
Essa minha característica psicológica também me faz ter muitos sonhos estranhos. Geralmente meus amigos têm a minha idade ou são uns cinco, dez anos mais novos que eu, sempre gostei de me relacionar com pessoas bem mais novas, pois me sinto mais confortável, contudo nos sonhos que às vezes tenho com algum amigo, estranhamente (ou não) ele não passa de uma criança de colo.
Ao mesmo tempo em que é um sonho muito surreal, também é muito agradável. Muitas vezes nem sei como era na infância a aparência desse ou daquele amigo, mas ainda assim minha mente o projeta criança em meus sonhos. É uma sensação estranha, muito acolhedora, pegar a criança no colo, brincar com ela, colocá-la sentada em minhas pernas. Nesses sonhos, geralmente esse meu amigo/criança está com os pais ou algum irmão, tudo é muito natural, apesar de ter consciência de que aquela realidade não é a verdadeira, estar ali, com meu amigo em meus braços, protegendo-o, brincando com ele, vendo-o sorrir de forma inocente, me deixa muito relaxado. Geralmente acordo na manhã seguinte muito feliz, sentindo um amor imenso por aquela pessoa. O mais estranho é que aqui, na vida real, não levo o menor jeito com crianças e bebês, na verdade quase não tenho muita paciência. Creio que essa “manifestação psicológica” não tenha a ver com crianças ou bebês, mas com alguns de meus amigos de forma geral e a forma como eu me relaciono com eles. Vai saber.


Todavia os meus sonhos em relação aos meus amigos nem sempre são flores. Esse meu lado protetor, quase paterno, também me prega peças. Em alguns casos preocupo-me tanto com determinada pessoa que tenho pesadelos horríveis com ela, onde coisas ruins acontecem e eu nada posso fazer para ajudar.
Já comentei aqui que tenho um amigo muito querido que está passando por um período difícil de sua vida. Ele é jovem, está confuso e passando por uma crise de depressão bem forte, mesmo que ele não queira admitir muito isso ou tomar as devidas providências quanto ao problema. Temos conversado pouquíssimo e nessas poucas oportunidades tenho visto o desânimo, o cansaço e a confusão mental estampados em seu rosto. Por mais que ele me peça para não me preocupar isso é impossível. Que amigo seria eu se não me preocupasse com o bem estar dele? Com alguém que amo?
Dia desses estávamos conversando e ele soltou uma de suas piadinhas sem graça, típica de quem está depressivo. Disse que estava pretendo usar drogas. Quando você sabe que a pessoa não está bem, que está abalada, esse tipo de piada realmente não tem graça, mas não quis entrar nesse debate com ele. Sou da opinião de que por trás de toda a brincadeira há um fundo de verdade e, mesmo esquecendo o que ele disse nos minutos seguintes, isso me abalou e de alguma forma ficou guardado em meu subconsciente. Naquela mesma noite tive um sonho o qual não consigo mais esquecer. Sonhei que morávamos na mesma cidade, que eu conhecia a família dele há tempos e ele a minha. Nem sei onde ele mora na verdade, mas no sonho eu sabia, sonhos são estranhos, são outras realidades alternativas. Nesse sonho eu fui até a casa dele, não me lembro fazer o que, uma visita talvez, sei que bati na porta e o pai dele me atendeu gentilmente, conversamos um pouco e eu então perguntei se meu amigo estava. Ele me disse que não sabia do filho, que ele havia saído há horas, dizendo que iria na casa de outro amigo fazer não sei o que.
Sonhos são estranhos porque por mais que sejam inusitados, no fundo sempre sabemos qual é a próxima cena, o que vai acontecer, é nosso subconsciente que vai escrevendo o roteiro de acordo com o que temos armazenado em nossas mentes.


No sonho, o pai dele parecia muito preocupado, na verdade ele me disse isso. Disse que o filho nunca tinha demorado tanto assim e que a falta de notícias o estava preocupando. Imediatamente meu sexto sentido ativou-se, lembro-me que no sonho pensei: “Ele disse que estava com vontade de usar drogas, meu Deus!”. Imediatamente fui tomado por um pânico incontrolável, um desespero. Automaticamente adivinhei onde ele deveria estar. Despedi-me do pai dele dizendo que iria procurá-lo e voltaria com ele são e salvo pra casa, comecei a correr pelas ruas do bairro (as quais na vida real não faço a menor ideia de como sejam) procurando nas esquinas, nos becos, nos lugares mais isolados. Eu estava desesperado, coração palpitando, eu sabia o que estava acontecendo, sabia onde ele estava, de alguma forma inexplicável no sonho eu sabia.
Depois de muito andar, perdido pelas ruas, virando tantas esquinas que eu já nem sabia mais de onde tinha vindo, encontrei um grupo de garotos maltrapilhos brincando na rua e decidi perguntar a eles sobre meu amigo. O descrevi para eles e perguntei se eles o tinham visto. Imediatamente me disseram que sim, que ele havia chegado ali logo cedo e de lá, ido até uma favela próxima (nem sei se perto de onde ele mora há favelas). Agradeci aos pivetes e comecei a correr na direção que eles me indicaram. Já estive em uma favela aqui em Bauru, sei como são e meu subconsciente projetou isso no sonho. Casas caindo aos pedaços, feitas de madeira velha, lona e lata, ruas de terra, esgoto a céu aberto, um caos. Pus-me a perguntar a todos na rua se tinham visto meu amigo, descrevendo sua aparência, suas roupas, logo recebi a informação que queria. Ele estava em uma casa no fim da rua, o viram chegando lá logo cedo e de lá não saiu mais, no sonho já passava das quatro da tarde. Fui correndo até onde me indicaram, invadi a casa aos tropeços, sem querer saber de quem era ou quem estava lá, atravessei os cômodos imundos e cheguei até o quintal dos fundos. Lá estava ele, sentado com jovens desconhecidos, mal encarados. A cena me chocou. Lembrar dela agora ainda me choca, está bem nítida em minha mente como se tivesse sonhado isso noite passada. Estavam bebendo, rindo e se drogando, fumando seus baseados, meu amigo os acompanhava.
Acho que o pior não foi como eu o encontrei, mas sim a forma como ele olhou pra mim quando me viu. A mesma expressão de cansaço, desesperança e tristeza das vezes em que conversamos, mas tinha algo mais, um ódio, uma revolta e um desprezo sem tamanho. Pude senti-lo me fuzilar com os olhos e aquilo fez o meu coração doer.


Fiquei olhando pra ele por uns segundos, pasmo, perplexo. Ele parecia não ligar pra mim, estar se lixando. Eu estourei, agarrei ele pelo braço e perguntei que merda era aquela, o que ele estava fazendo ali e o quanto eu e o pai dele estávamos preocupados. Ele gritou, se soltou e furioso ameaçou me agredir, foi horrível, muito real. Eu ficava olhando pra ele enquanto ele gritava e chorava, me xingando e pedindo pra eu ir embora, deixá-lo em paz pra fazer o que ele queria, dizendo que não queria ajuda, foi bem ruim, na verdade acabou comigo. Acredito que foi nessa hora que acordei.
Odeio esse tipo de sonho, odeio mesmo, na maioria das vezes são tão reais, tão palpáveis. Há anos deixei de ter pesadelos com monstros e fantasmas, meus pesadelos hoje são esses, coisas ruins que eu não quero que aconteçam seja comigo ou com as pessoas que amo. Acordei de madrugada, levantei, tomei um copo d’água e fiquei sentado um pouco no colchão até o sono aparecer de novo. Sei me controlar, sei que por pior que tenha sido um pesadelo meu, cedo ou tarde mesmo continuando a lembrar dele, não vou me sentir mais tão afetado, mas sempre quando tenho sonhos ruins e acordo de repente, não consigo dormir mais e aquilo fica martelando na minha cabeça por dois, três dias.
Pesadelos com monstros, fantasmas, são ruins, todo o sonho mau incomoda, mas pra mim em particular, o que mais me assusta são as coisas possíveis de acontecer, os males da vida, os desencontros, os erros, as escolhas erradas. Mas diferente dos sonhos e pesadelos, não é tão fácil assim controlar as coisas, fazer escolhas, mudar o final com uma solução mágica, sumir de um lugar e aparecer em outro. Na vida real temos que ser fortes para sabermos nos cuidar e cuidar do outro, seja de forma concreta, seja aprendendo a dar o apoio que a pessoa precisa. Eu no momento não me vejo conseguindo fazer nada de forma concreta, tudo o que posso fazer é apoiar as pessoas que amo o quanto puder, mesmo percebendo que isso não tem bastado nem de longe.

“Sonhos.
Pequenos pedaços de morte. Como eu os abomino”.
Edgar Alan Poe.



Eduardo Montanari Sobre o Autor:
Eduardo Montanari é dono dos blogs Divagações Solitárias e Du-Montanari Design. É formado técnico em informática e trabalha como designer e web designer. Nerd assumido, gosta de quadrinhos, anime, mangá, entre outras nerdices e esquisitices.


3 Divagações

  1. Será que esses sonhos com crianças não são sua necessidade de estar em contato com a sinceridade das pessoas? Com as relações descomplicadas e sem hipocrisias que as crianças representariam?

    Quanto a esses pesadelos já tive péssimos, como vc sabe pelo meu blog. Detesto também esses sonhos de possibilidades reais, coisas possíveis de acontecer... Dá um medo, uma sensação de impotência...
    Abçs.

    ResponderExcluir
  2. Cara, sonhos nada mas são, que o nosso subconsciente captando nossas experiências diárias,nossos desejos e medos mais profundos, se bem que eu também acredito que em determinados sonhos possam existir, algum tipo de mensagem ou aviso, mas essa parte eu deixo para os especialistas e entendidos no assunto.

    Mas é fato, que o nosso subconsciente absorve todo o nosso estado emocional, por isso temos sonhos bons, sonhos ruins, sonhos doidos que não entendemos nada, sonhos que nos parece tão familiar e reais, em fim, nenhum sonho, agente sonha por sonhar, ta tudo dentro da gente, e o subconsciente simplesmente projeta tudo isso quando dormimos. As vezes um sonho pode ser revelador, pq tem coisas e sentimentos dentro da gente, que nem nós mesmos sabemos que estão lá, mas até isso o nosso subconsciente capta,por isso tem sonho que agente não entende nada, mas esta tudo lá, dentro da gente.

    Cara, desejo melhoras para esse seu amigo, e acho louvável esse sentimento que vc tem para com aqueles que vc ama, hoje em dia eu não vejo mais isso.

    Ah, e sobre o lance do blog, não tem pressa não Edu, entendo como vc deve estar atarefado com o cursinho, afinal eu estudo também e conheço bem a rotina.

    Grande abraço, fica na paz Edu

    ResponderExcluir
  3. Vim te conhecer,também sou uma pouco assim zelosa e cuidadora
    e um jeito de ofertar o amor deixo aqui meu carinho!

    ResponderExcluir

Muito obrigado por comentar. Sendo contra ou a favor de minhas opiniões, as suas são muito interessantes para mim. Tenha certeza!