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Sobre mendigar. Uma questão de opção?

terça-feira, 25 de outubro de 2016



Há muito tempo eu escrevi aqui no blog um texto sobre a mendicância, dizendo que pedir esmola pelas ruas é uma questão de opção. Refletindo melhor sobre o assunto hoje, percebo que generalizei demais, como se todos os pedintes pudessem facilmente melhorar sua vida com um pouco mais de força de vontade. Não há como negar que, se as coisas já estão complicadas até para nós que temos algum estudo, que temos um emprego, que possuímos algumas coisas e lutamos diariamente para mantê-las, imaginem para as pessoas bem menos favorecidas. Há de se perceber que não é apenas a falta de um trabalho, de dinheiro, de cultura que as aflige, mas uma completa falta de esperança também. Percebo hoje que, não tentar compreender isso pelo menos um pouco, é desumano. Todavia, apesar de, com o passar dos anos ter mudado minha opinião em partes, continuo achando, em alguns casos específicos que mendigar é uma questão de escolha individual.

Tenho o costume de quase todos os sábados de manhã ir até o centro da cidade, caminhar um pouco, passear, as vezes comprar algo que não tenho tempo durante a semana. Sempre faço o mesmo trajeto e em todas as vezes, já perto do centro passo em frente a um lugar onde, na calçada está um senhor sentado, imóvel, quase como um grande boneco de trapos, cabeça baixa e o braço direito estendido, com a mão espalmada. Perto dos seus pés o chapéu com a boca pra cima, indicando que, caso deseje, você deve colocar o dinheiro ali. Ele não diz nada, não se move, sequer ergue a cabeça, o tempo todo com a mão estendida, implorando em silêncio, como quem diz: “Não sou nada. Me ajude”!
Me lembro de um caso semelhante quando costumava frequentar uma feira-livre perto de casa, dessas que tomam três ou quatro quarteirões. Feirantes gritando, a multidão indo e vindo e bem no meio de tudo um senhor em pé, imóvel, do qual as pessoas simplesmente se davam ao trabalho de desviar, cabeça baixa, a mão estendida, como o outro e soltando um murmúrio sempre que alguém passava do seu lado: “Me dá um auxílio. Me dá um auxílio. Me dá um auxílio”, repetindo sem parar, como um disco riscado. Ignorado por todos, invisível.

Eu, embora não concorde com esse tipo de comportamento, me sinto dividido quando vejo algo assim. Por um lado sinto muita compaixão, penso que podia ser eu ali e isso me dá um grande desespero, uma insegurança quanto ao meu futuro, afinal, essas pessoas não simplesmente se materializaram ali, um dia elas tiveram uma vida, um dia foram ou sonharam em ser alguém, tiveram esperanças no futuro. Hoje estão ali, meros esboços do que um dia já foram. E ao conseguir sentir a desesperança delas, sinto a minha, mesmo que apenas por aquele momento, mas nesse breve momento a vejo como um irmão perdido. Alguém que assim como eu, simplesmente não sabe pra onde ir. A diferença é que mesmo perdido eu continuo caminhando, tentando ver se acho uma saída desse labirinto, eles se cansaram, apenas se sentaram onde estão e esperam por socorro.
Por outro lado, as vezes acredito, dependendo da situação que presencio, que talvez a pessoa pudesse buscar ajuda de outras formas. Conseguir um emprego está difícil hoje até pra quem tem estudo, formação superior, o país tá indo cada dia mais pro buraco. tenho uma prima e um grande amigo desempregados que já estão bastante deprimidos com a situação, e mesmo se esforçando muito para voltar ao mercado de trabalho, até agora não tiveram sucesso. Imagine então para um mendigo, um morador de rua. "Vai trabalhar vagabundo"! Fácil falar né? Um bom emprego está aí, esperando quem quiser a oportunidade. Não é mesmo?. Ainda assim percebo o quanto a desesperança de alguns os impede de enxergar outras saídas além da mendicância. Esperar algo do governo? Oras, não! Não me faça rir.

Preciso ressaltar também, antes que acabe me esquecendo, que esse meu sentimento de que "talvez haja uma saída melhor do que pedir esmolas", me vem quando vejo homens e mulheres ainda jovens, ainda fortes, ainda com tempo de talvez tentar uma mudança, entregues ao conformismo, à derrota. Não penso em pedir que uma pessoa idosa vá capinar um lote ou sair caminhando de sol a sol vendendo gomas, lhes falta esperança e força. Mas ver homens e mulheres jovens e fortes pedindo "uma moedinha, que Deus lhe pague", eu não sei, não consigo concordar.
A verdade é que no final das contas a humanidade é um bando de perdidos, todo mundo cego tateando no escuro procurando apoio uns nos outros e nas coisas. A diferença é que uns tem mais vantagens do que outros, mas se nos vermos como iguais, partilhamos todos da mesma desesperança e infelicidade.




1 Divagações

  1. Realmente, são situações difíceis de analisar.
    Sabemos que essas pessoas estão expostas à diversos riscos e sem nenhuma condição de suprir suas necessidades básicas, então, muitas vezes, é impossível não sentirmos certo tipo de compaixão.

    Beijão!
    Blog: *** Caos ***

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