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Sobre joelhos ralados, telhados bem vedados e eletrodomésticos felizes.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

É triste quando você já está tão acostumado a se decepcionar com as situações e pessoas que acaba ficando com medo de se deixar alegrar pelas coisas boas que lhe acontecem. Sim, porque por mais realista que eu seja, muitas vezes beirando o pessimismo (n’outras me afundando nele) não sou tão cego a ponto de não admitir que coisas boas também me acontecem. Não com tanta frequência quanto eu gostaria, mas elas acontecem. Alguns de nós tem por costume, um mal costume diga-se de passagem, dar mais importância às coisas ruins que nos acometem, diminuindo nossas bênçãos até elas parecerem ínfimas.
Acho que na infância as coisas eram diferentes por as vermos de forma mais ingênua esperançosa. Por mais que a gente caia e rale os joelhos a ponto deles sangrarem, parece muita mais fácil se levantar e continuar a brincadeira depois de umas pinceladas de mertiolate, mesmo sendo daquele que arde. Não é só seu corpo que é mais leve, mas sua alma idem.

Há alguns dias, depois de um processo burocrático cansativo, consegui o dinheiro para custear a impermeabilização do meu telhado. Pensei muito se deveria investir nisso ou não, já que, como vivo repetindo aqui, a casa onde moro não é minha e esse, pelo menos pra mim, é um grande gasto, gasto que estou me esforçando para ver como um investimento. Não ter mais que me preocupar com infiltrações, goteiras, água escorrendo pelas paredes, poder dormir em paz, sem ser obrigado a ficar acordando de trinta em trinta minutos para proteger o chão e os móveis. Só de pensar nisso já fico feliz. Fico?
Esse é o problema comigo. Por mais que esse acontecimento seja maravilhoso e pensar nele se realizando me aqueça o espírito, é como se, depois desses últimos anos eu tivesse criado um bloqueio ao meu redor, por medo das decepções. Eu que na infância era tão mais aberto ao mundo e às pessoas me fechei bastante, não deixo as coisas entrarem nem saírem.

Depois de um tempo envolto nessa carapaça você vai fazendo as coisas basicamente no automático, fazendo porque precisa fazer, porque se não fizer elas não vão se fazer sozinhas. As coisas se tornam uma lista de objetivos a serem cumpridos um após o outro e a cada um que você termina o que sente é puramente satisfação, aquela sensação vazia de ter conseguido fazer uma coisa que se propôs a fazer e nada mais. Basicamente a ejaculação depois da masturbação.
A vida é uma sanfona emocional natural e gostando ou não somos obrigados a lidar com isso, obrigados a aceitar, o caso é que fazer isso é um cu, melado de bosta, fedido e cheio de assaduras. Algumas pessoas lidam bem com essa montanha russa, outras como eu sempre vomitam nos loopings. A gente sobrevive, o que é o mais importante creio eu, mas sempre sai de cada volta com aquela sensação de tontura, cansaço e estômago embrulhado.


Esse escudo não apenas faz com que eu me afaste das pessoas, mais especificamente de possíveis pretendentes, como faz com que eles optem por se afastar de mim. Tenho sensibilidade o bastante (até mais do que deveria) para me dar conta de que meu comportamento não é atraente. Sou da opinião de que por mais que digam o contrário, a beleza física é em grande parte responsável pelo interesse do outro em você, afinal o primeiro contato é sempre visual, achar a outra pessoa “gostosa” fisicamente conta muito. Todavia, contudo, entretanto, ter uma personalidade atraente completa o pacote. No meu caso estou em desvantagem em ambos os quesitos, já que não consigo erguer uma bicicleta sem ficar com dor nas costas no dia seguinte, ter uma barriga do tamanho de uma bola de praia e interpretar até mesmo o funcionamento de um liquidificador da forma mais emocional possível. A maioria das pessoas põe a banana, a maçã e o leite, bate tudo bem batidinho e manda pra dentro, já eu fico me perguntando se o liquidificador está bem e se ele está de fato feliz exercendo a função para a qual foi concebido.

Todas as vezes que me pego nesse maremoto emocional (uns 90% do tempo entre o despertar e o dormir), me lembro de um trecho da música "A Via Láctea", da Legião Urbana: "Queria ser como os outros e rir das desgraças da vida. Ou fingir estar sempre bem. Ver a leveza das coisas com humor".

Queria?




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