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Sobre a vontade de Deus, sovacos claros, síndrome do pânico e fichas que caem.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Há tempos optei por não seguir religião alguma. Eu acredito em Deus a meu modo e pra mim isso está de bom tamanho. Não gosto de religiões ou doutrinas, com suas regras que precisam ser obrigatóriamente seguidas. Eu faço o que quero, na hora que eu quero e me reservo o direito de não me sentir culpado por isso. Tenho pena na verdade (assim como muitos devem ter de mim) de pessoas que deixam de fazer coisas que tem vontade, por medo de pecar e ir queimar no inferno. Eu, com todos os meus pecados e defeitos, acredito que serei acolhido por Deus da mesma forma que o religioso da igrejinha da esquina.
Uma das coisas que eu acredito é na vontade de Deus. Acredito que Deus é poderoso e que pode intervir aqui e ali se quiser. Só que ao contrário de muitos eu vejo apenas o lado bom de Deus, o lado misericordioso. Creio eu que é ilógico Deus ter um lado mal.
Outro dia eu fui ao centro da cidade comprar um daqueles desodorantes clareadores de sovaco, gosto dos meus sovacos bem claros. Na volta decidi pegar o ônibus, apesar do centro ficar apenas a 15 minutos de casa, esse calor maldito está minando todas as minhas forças a cada dia que passa, ando dois quarteirões e já estou passando mal. Entrei na condução, me sentei e uns dois pontos depois uma mulher negra, muito bonita e sorridente entrou pela porta dos fundos, auxiliada por uma amiga, ela estava com uma bengala, era cega.
Por mais que saibamos que isso é uma coisa comum, não adianta negar que a deficiência do outro, seja ela qual for sempre nos chama a atenção. Por mais que tentemos disfarçar, nossos olhos acabam indo em direção à pessoa. A curiosidade é inerente ao ser humano.
Depois que reparei bem na moça, me dei por satisfeito e desviei meus olhos dela, mas não pude deixar de prestar atenção na conversa, já que ela falava alto, muito animada, sempre rindo. Ela sentou-se ao lado de um senhor e começou a falar com ele sem parar. Sempre falando alto e sorrindo, disse que era completamente cega mas que mesmo assim era atriz, cantora, dançarina e fazia artesanato. Apesar de ficar de certa forma "orgulhoso" dessa pessoa e de seus feitos, mesmo sendo ela completamente cega, também notei que ela falava, falava de si mesma sem parar mas... ninguém tava perguntando. Tipo, sabem aquelas pessoas que parece que querem se auto-afirmar, querem dizer "Ei mundo, olhe, eu sou capaz!"? Pois é. Eu não vejo nada de errado em se valorizar, muito pelo contrário, acho que se eu fizesse isso mais vezes me sentiria bem melhor, mas nunca gostei muito dessas pessoas que ficam exaltando suas qualidades aos quatro ventos sem que ninguém pergunte.
Ela começou a falar de suas atividades, teatro, dança, artesanato, comecei a ficar empolgado, admirei-me por uma moça completamente cega conseguir fazer tudo isso e ainda por cima ter um astral tão lá no alto, ser feliz, sorridente e otimista. Até que em dado momento ela começou a explicar ao homem o motivo por ter ficado cega, que foi um erro médico, disse que o médico pingou um colírio nos olhos dela que a deixou assim. Uma fatalidade achei eu, contudo, a moça continuou seu relato dizendo o seguinte: que estava conformada com o que houve porque foi Deus quem quis que isso acontecesse com ela. Que quando Deus quer que seja a sua hora, quer que algo lhe aconteça, nada no mundo pode mudar isso. Foi exatamente nessa parte que eu realmente decidi parar de ouvir tudo o que ela tinha ainda a dizer.


Crenças à parte, eu acho realmente ridículo esse ponto de vista de que as desgraças que acontecem no mundo são vontade de Deus. Fico pensando nas milhões de crianças estupradas, mortas, como o menino João Hélio, que foi arrastado pelo asfalto preso ao cinto de segurança. Foi Deus que achou melhor que acontecesse isso com ele? Pra que? Pra "castigar" os pais do garoto por algúm pecado que eles cometeram? Para dar uma lição ao próprio garotinho? Por que Deus quereria que um tsunami ou um terremoto matassem centenas de pessoas? Por que ele quereria que uma pessoa ficasse cega, uma criança morresse de forma brutal?
Oras! Eu não entendo o modus-operandi de Deus e sinceramente nem faço força de entender. Acho que não há como entender e acho hipócrita quem quer que diga que entenda. Acho que acreditar nisso, acreditar que algo ruim acontece porque "Deus quis assim", nada mais é do que uma desculpa esfarrapada, um conformismo forçado que a pessoa "acredita que acredita" para poder suportar o que lhe aconteceu.
Tudo bem, acho que não é certo você se entregar a depressão ou a alto piedade, ficar chorando pelos cantos porque é cego ou perdeu uma perna ou um filho, mas daí a dizer que "Deus quis assim" é uma coisa que eu acho particularmente ridícula.


Nessa quinta-feira que passou eu acordei muito estranho, passei bastante mal, mas não foi nada físico. Sabem aqueles dias onde você já levanta da cama se sentindo estranho, abatido, desanimado? Pois é, foi um dia assim. Tive uma madrugada péssima por conta desse calor insuportável, dor nas costas, pernilongos zunindo e assim que acordei já comecei a sentir algo esquisito, um desânimo, uma vontade louca de chorar e não me levantar do colchão. Vesti a bermuda, fui até a cozinha, peguei um gole de café e voltei pro colchão. Eu simplesmente acordei sem saber o que fazer, sem saber o porque acordei. Sentei no colchão e fiquei tomando café. Já tiveram aqueles momentos onde tudo na sua vida é tão rotineiro e previsível que você já sabe como vai ser cada segundo do seu dia assim que abre os olhos? Então.
Fiquei mal a manhã toda, com uma angústia, um aperto no peito, uma vontade de sair gritando sei lá o que. me arrumei e fui pegar uns exames da minha mãe do outro lado da cidade, depois ainda tinha que passar nos Correios pra preencher um dia do cartão de ponto que havia esquecido. Fui, fiz tudo o que tinha que fazer, mas nada melhorou. É uma espécie de pânico que me dá, uma crise esquisita, taquicardia, falta de ar, ansiedade. Geralmente vem sem avisar e sem motivo aparente, alguns me dizem que até pode ser síndrome do pânico. To começando a desconfiar que é. Por um instante até pensei que ia ter um piripaque na rua, tamanho foi a angústia que me deu, uma vontade simplesmente de virar pó e sumir.
Fazendo minha auto-análise de sempre, cheguei a conclusão de que talvez agora, depois de duas semanas é que finalmente foi "cair a minha ficha" para o fato de eu estar desempregado. Tipo, durante muito tempo eu já vinha me preparando pra lidar com essa situação. Desde que eu comecei a trabalhar eu sabia que algúm dia meu contrato iria acabar e que eu teria que deixar o emprego. Não só isso, eu sabia que também talvez eu pudesse ficar algum tempo desempregado. Contudo por mais que a gente se prepare, diga que vai conseguir levar bem a coisa, quando ela acontece nós nunca temos a reação que planejamos ter. Eu já sabia que iria ficar deprimido, já sabia que iria ficar chateado, me sentindo ocioso e inútil. E acima de tudo sabia que seria obrigado a tentar lidar com isso da melhor forma possível, mas o fato é que todo o ser humano é o que é, humano. E quando fazemos muita força, seja física ou seja mental, sempre acabamos nos cansando depois. Ninguém é um super homem. Acho que quis tanto me condicionar, me convencer de que sou forte, de que estou levando essa situação de boa, que estou conseguindo lidar, que agora acho que o copo que foi se enchendo de gotinha em gotinha deu sua transbordada. Não no sentindo de uma mudança radical ou algo definitivo, mas as vezes a pressão dentro da gente acumula, começa a doer e tem que sair pra gente poder relaxar um pouco. E acho que na quinta passada o meu cérebro e o meu corpo pediram um tempo, tipo "Cara, você não é de ferro, não é uma pedra sem sentimentos, precisa soltar o que está sentindo".
Eu não sei. Todas as vezes que coloco pra fora o que estou sentindo as pessoas se assustam e se afastam, nunca dá muito certo. As pessoas tem medo de encarar a própria face no espelho, quem dirá a do outro.








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4 Divagações

  1. Essa relação de tragédia X vontade divina é algo antigo e parece que nunca acaba. Talvez haja algo catártico nessa constatação pessoal de que certas desgraças acontecem por vontade divina; outras são obras diabólicas, citando estupros, matricídios, casos de pedofilia. Todos buscamos essa catarse, essa aclamação de que somos especiais ao sermos 'beneficiados' com as vontades divinas.
    Até mesmo em nossos discursos, por mais ingênuos que parecem, trazem essa busca, essa memória que pretende eterna. Veja o caso de pessoas que se martirizam por algo pequeno, existe nisso uma tentativa de auto-expiação, de uma aproximação com o sagrado.

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  2. Eu sou meio q suspeita em falar a minha visão no quesito sobre vc não acreditar q Deus quiz ou quer o nosso mal. Mais sei tb q Deus é amor. Existe o bem e o mal para isso, e Deus é amor, mais tb ele pode ser vingativo tb. Agora se a pessoa merece ou não, cada um e uma sabe da sua vida, do seu coração, dos seus desejos para com o próximo. Quem vê a cara, não vê o coração, rs. Eu acredito muito em Deus, sigo uma religião, porém tenho a mente bastante aberta para tudo, ou quase tudo. Inclusive no quesito q vc citou nesta tua postagem. Mais não te julgo, ou julgarei por pensar assim. Eu só sei de mim, e olhe lá. Agora quanto a vc querer ser forte, e não querer deixar as lágrimas rolarem, esta situação é o mal da população, inclusive dos homens q falam q não podem chorar, pois isso pode soar como ele sendo boiola, ou sei lá mais o que. Eu acho bonito, e admiro um homem q chora e assume isso, ou faz isso na minha frente. Eu o acalento, e compartilho dele todas estas fases se possivel. Espero q vc passe por esta fase, e consiga logo ou outro trabalho, e fike bem. Desculpa a minha sinceridade as vezes, mais é q não sei fingir, ou ser uma outra pessoa. Aqui comentando no seu blog, ou lá no meu, sempre sou eu. Boa sorte e um beijão pra vc!

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  3. Ola Edu

    Cara essa é uma questão delicada, digo em respeito a se acreditar ou não em Deus,cada um é livre pra acreditar no que quiser, e como quiser, mais eu vejo da seguinte forma, se nós meros mortais temos nossas leis e regras para seguir e obedecer, Deus o todo poderoso ser supremo também tem as dele, claro que tem muita gente que leva a coisa pro lado do fanatismo, mais acredito que não se pode servi a Deus de qualquer maneira, ou da forma que quisermos ou bem entendermos, essa é a minha opinião, eu penso assim seguindo a logica das leis humanas que citei a cima, se o homem tem suas leis, Deus deve ter as suas tambem.

    seguindo um outro pensamento logico
    assim como a Deus que é bom
    acredito também na existencia de uma entidade do mal, que cause todos esses males é justamente ai que entra Deus, salvando, confortando, ou neltralizandam as açoes desse mal.
    assim como a um equilibrio em toda terra
    a o fogo e a agua, o ceu e a terra, o dia e a noite, o sol e a lua, o calor e o frio etc... então acredito que exista também o bem e o mal.

    acho um grande equivoco alguem dizer que tal mal que lhe tenha sucedido tenha vindo de Deus

    agora, realmente existem pessoas que precisam se auto afirmar, eu acho que esse tipo de pessoa, que declara para os 4 cantos sua capacidade, na verdade ela quer convencer a si própria que é capaz atravez da aprovação e admiração de todos de todos, na verdade elas são pessoas inseguras, que necessitam que os outras as aprovem.

    Cara acho que sua reação mediante a sua cituação
    é mais que normal, vc passa por uma fase dificil
    e todo mundo tem o seu momento em que quer colocar tudo pra fora, chorar gritar, como vc mesmo disse não somos de ferro, e digo pra vc meu amigo, não quarde isso dentro de vc
    pois não é bom, se der vontade de chorar, chore, de gritar grite, pois isso faz bem pra alma e pri coração.

    um agrande abraço Edu
    estou aqui torcendo por vc

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  4. Querido, compartilho do teu sentimento de não aceitar que as pessoas joguem a culpa dos desmandos dos nossos dirigentes e legisladores nas costas de Deus, do acaso, e assim fazerem, como diz o Falcão, ''igual Poncio Pilatos, que fez o que fez e depois ainda entrou na oração''! Eu também tenho ataques de pânico se achar que esqueci alguma assinatura, de fazer alguma coisa, resquícios do condicionamento à escravidão adquiridos no trabalho. Sequelas permanentes. O jeito é se adaptar a isso. Você tem razão: ninguém é super herói. Isso não existe.

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