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Sobre bicicletas quebradas, camisas floridas e preconceitos mascarados.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Na semana passada me aconteceu algo no mínimo inusitado. Não foi um absurdo, mas foi uma daquelas situações que te pegam de surpresa e te deixam meio que sem reação. Há mais ou menos um mês atrás o apoio da minha bicicleta quebrou e estava ficando bem chato ter de ficar escorando ela na parede de casa ou deitando na calçada, cada vez que eu saia pedalar. Decidi então, depois de muito protelar, ir até a bicicletaria perto de casa e comprar um apoio novo. O dono do lugar, um senhor gordo e com cara de poucos amigos, me atendeu educadamente (a seu modo), expliquei então o que eu precisava e ele começou a providenciar a troca da peça quebrada. Passados alguns minutos de silêncio enquanto ele colocava a peça no lugar, sem olhar pra minha cara me perguntou em um tom sarcástico: E a parada? Como foi lá?. Fiquei surpreso com a pergunta. “Parada”? Por uns segundos fiquei perdido, sem entender do que se tratava, mas logo me dei conta do que ele estava falando: a Parada da Diversidade, a Parada Gay na qual eu havia ido no final de semana anterior, pela primeira vez. Ele então continuou, mantendo o tom sarcástico: Pois é. Não pense que eu não vi você lá, com a sua camisa havaiana. Continuei um pouco surpreso, tanto pelas pela pergunta quanto pelo tom, mas respondi a primeira coisa que me veio: Ah sim, claro. Estive lá sim.


Realmente eu havia ido, realmente eu estava usando, como ele descreveu, uma “camisa havaina” florida. Obvio então que, apesar de não nos conhecermos ele tinha me visto lá. Deduzi que, apesar de meio rude, ele estava tentando puxar assunto e deixei que continuasse a falar. Afinal de contas, se ele havia estado lá também, imaginei que estaria tudo bem. Ele prosseguiu, mas de repente ficou um pouco mais alterado: Olha rapaz, eu vou te dizer uma coisa viu, vocês precisam ter mais respeito, pelo amor de Deus. O jeito que vocês deixaram a Avenida no final, não dá não!. Tomei um susto, pois apesar de estar tentando manter a educação, ele ficou visivelmente irritado e elevou o tom de voz. Novamente demorei alguns segundos pra entender do que ele estava falando, mas logo me caiu a ficha: Ah sim, sei. O senhor está falando da sujeira, do lixo que ficou na rua depois do evento, não? Também não concordo, achei uma porquice. Falta de educação do povo né?. De fato não concordo, seja você hétero ou homossexual, um alienígena ou o que for, educação vem de berço e o jeito que as ruas foram deixadas depois do desfile não foi bacana. Acho comum e natural reclamarem desse tipo de coisa, mas não pude deixar de reparar e começar a me incomodar bastante quando ele começou o tempo todo a generalizar a coisa usando “vocês”.

Ele continuou: "Vocês precisam ter mais respeito pelos outros, desse jeito não dá. Vocês querem ser diferentes, querem se mostrar, mas pelo visto não respeitam. Eu já vou há 3 anos nessa parada com a minha família para passear (?????) e todos os anos é a mesma coisa, a mesma porquice no final, as ruas cheias de lixo. Vocês não querem ser diferentes? Se é assim, precisam aprender a respeitar os outros!". Fiquei lá, segundo a bicicleta enquanto ele apertava a porca do apoio e praguejava contra a "nossa" porquice, mas sempre foi de minha natureza nunca ter uma resposta pronta para situações inesperadas. Tudo o que eu consegui responder foi: "Hum... ãhh... Pois é né? Que coisa. Realmente ficou tudo bem sujo"

Se isso tivesse me acontecido há alguns anos atrás, muito provavelmente eu teria ficado deprimido por semanas e talvez até voltado rapidinho pra dentro do meu armário, mas fico feliz em notar que, hoje, apesar desse tipo de coisa me causar uma certa revolta, afinal pessoas ignorantes são sempre ignorantes, mesmo não dando respostas à altura, como muitos me recomendam, lido melhor com esse tipo de situação do que imaginava. Senti borboletas no estômago sim, um impulso em contra argumentar o cara, mas acho que acima de tudo senti pena. Quando finalmente você se dá conta que não há nada de errado com você, fica fácil sentir pena de pessoas desse tipo. Ele, da mesma forma que se alterou subitamente, voltou ao normal quando terminou de prender o apoio na bicicleta. Finalizou num tom simpático: "Pois é. Na próxima vez, subo naquele caminhão de som, pego aquele microfone e meto a boca (péssima escolha de palavras pra se usar em uma Parada Gay, na minha opinião). O total deu R$ 19,90". Paguei o sujeito, agradeci o trabalho, desejei uma boa tarde e voltei pra casa, refletindo, por um tempo, o quanto realmente existem pessoas no mundo que mascaram seu preconceito em forma de moralismo barato, sem muitas vezes nem se darem conta disso.

EDUARDO MONTANARI
Virginiano, bauruense, estudante de Design, ilustrador e web designer. Amante de cinema, quadrinhos, boa música e outras nerdices. Sonhando com o namorado ideal.



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