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Sobre pais e filhos, amor distorcido, instintos homicidas e a necessidade da necessidade.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017


Não tenho problemas em fazer amizade com pessoas muito mais novas do que eu, desde que elas tenham já uma certo grau de maturidade. Conheço muita gente dita “adulta”, mas que age como babaca. Em contrapartida, conheço algumas pessoas bem jovens comparadas a mim, mas que conseguem ter uma boa conversa quando querem ter. Além do mais, apesar de já ter 40 anos e saber das minhas responsabilidades e obrigações, tenho um lado infantil que gosto bastante de manter. Me acalma, me diverte.
Noutro dia estava na morada de minha mãe e conversava com ela sobre um amigo meu, ainda menor de idade, muito oprimido e controlado pelos pais. Como a maioria dos garotos da idade dele, 17 anos, ele está passando por aquela fase entre o final da adolescência e o começo da vida adulta, cheio de convicções sobre algumas coisas, mas ao mesmo tempo muito confuso e amedrontado em relação a outras, ao futuro. Muito normal.
Os pais justificam o controle excessivo dizendo que querem o melhor para os filhos. Como muitos pais, confundem controle com amor e obediência com respeito. O fato de frequentarem uma igreja parece que não ajuda muito, já que isso mais os cega do que o contrário, diminui as fronteiras de seu mundo. Não que uma religião seja ruim, mas quando se é uma ovelha muito perdida é fácil se deixar ser domado e seguir regras arcaicas impostas, achando que são suas regras. Ele e a irmã mais nova sofrem por falta de amor, atenção e compreensão, esperando dos pais algo que eles não conseguem dar, não por maldade, mas por ignorância, por terem um "espírito pobre", como eu costumo dizer.

Quando ele me conta as coisas pelas quais passa com os pais eu realmente fico bastante alterado. Odeio pessoas que fazem os outros sofrerem por ignorância. Chego a ficar com falta de ar, vontade de procura-las e dizer o quanto estão destruindo aos poucos a vida dos filhos e não enxergam isso. Pior, acreditam estar fazendo a coisa certa por eles. O garoto logicamente tem todas as falhas que um rapaz de 17 anos tem. Embora se esforce pra buscar maturidade, sua ingenuidade ainda o ilude um pouco sobre muitos aspectos, mas ele vem buscando crescer cada vez mais e é isso que conta. É estudioso, tem sonhos, quer ser professor de história, se dedica as coisas que se propõe a fazer e isso é motivo de muito orgulho de minha parte. Os pais, pelo que ele me conta, não estão ligando muito. E isso tem me deixado furioso, principalmente por estar de mãos atadas. Por mais que goste do garoto não posso fazer muito por ele além de oferecer meu ombro, meus ouvidos e vez em quando minha companhia. Não sou o pai dele, seu tutor ou responsável, mas tenho acompanhado as coisas pelas quais ele e a irmã passam, por tempo suficiente para ter instintos homicidas quanto aos pais do rapaz. Como podem ser tão ignorantes ao ponto de não enxergarem o filho maravilhoso que tem e ainda por cima causar-lhe sofrimento?
Ele até tem aguentado bem pra idade, o que é mais um motivo de orgulho pra mim, mas me dói, como me dói quando ele demonstra parte do sofrimento que guarda.


Minha mãe diz que eu sou meio "paizão" quando se trata de pessoas mais novas. Sempre querendo cuidar, proteger, interceder. Nunca tinha visto as coisas por esse ângulo. Acho que na verdade sou mais dependente das pessoas do que espero que elas sejam de mim. Elas terem necessidade de mim, de fato alivia a carência e a solidão que sinto. Talvez por isso eu acabe guardando tanta mágoa quando elas demonstram não precisar mais de mim. Alguns pais são assim, erro deles, erro meu. Seus filhos, seus amigos, seus amores não pertencem a você, eles ficam por um determinado período de tempo e vão. Um processo natural, mas nem por isso menos doloroso.
Gostaria de conseguir cuidar melhor das pessoas que amo, pois sim, embora não pareça, embora eu as vezes o sinta de forma distorcida eu amo as pessoas, do meu jeito estranho, Eduardo de ser, mas amo. Mas é complicado cuidar de alguém quando você mal sabe como se cuidar. Tenho 40 anos e muitas vezes me sinto mais perdido do que um menino de 12, sem saber o que fazer e nem pra onde ir, pra quem pedir ajuda.
Espero que elas saibam quanto apreço tenho por elas, as que se foram e as que permanecem comigo, aos que não precisam mais de mim e aos que ainda precisam, aos que me deram seu amor mesmo que só por um tempo.


"Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável."

Khalil Gibran




2 Divagações

  1. Triste quando os pais querem proteger os filhos do mal e na verdade somente eles estão causando o mal
    Único jeito de não sofrer é cortar os laços afetivos ...

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    1. Acredito que essa seja a solução mais radical. Antes disso, é preciso ao menos tentar faze-los entender, tentar apelar para o lado mais humano. As vezes funciona, as vezes não.

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