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Sobre puxões de orelha parcialmente merecidos, o veneno que eu tomo querendo que o outro morra e pontos de vista divergentes.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020




Em um dos trechos do filme Batman Begins, de 2005, a personagem Rachel repreende Bruce Wayne dizendo: “Não é o que você é por dentro, mas o que você faz que define quem você é de fato”.
Na ocasião, quando ouvi isso pela primeira vez fiquei bastante tocado, achei muito profundo, mas refletindo hoje considero uma opinião confusa, até mesmo equivocada. Porque então significa que você pode ter pensamentos ruins o tempo todo, mas desde que não os coloque em prática então está tudo bem. Não sei, algo não parece certo nessa linha de raciocínio. Não deixa de ser algo nobre o fato de você “resistir ao mal”, mas não seria melhor nem mesmo pensar no mal?


Sou da opinião de que por mais altruístas e moralistas que sejamos, o caráter de ninguém é impecável, creio que todos temos um lado sombrio e que é impossível não ceder a ele vez em quando. Se você está lendo isso nesse momento e afirmando em pensamento, “Eu não”, sinto muito, mas você é um hipócrita. E não, não estou externando essa opinião apenas para justificar o meu próprio lado sombrio.


Recentemente, dois amigos dos quais gosto muito e os quais tenho certeza, ou assim espero, gostam de mim também, me “jogaram na cara” algumas verdades, de forma bastante rude e cruel, diga-se de passagem, mas não posso negar que, ainda assim, verdades. Se ousasse negar, aí eu é que estaria sendo hipócrita.
De acordo com um deles, fizeram isso pelo meu bem, o que eu acredito claro, mas a forma como eles expuseram suas opiniões sobre mim é que me machucou bastante, ainda mais depois de, alguns dias antes, termos passados momentos maravilhosos juntos, pelo menos do meu ponto de vista.


Sou uma pessoa bastante rancorosa e apegada ao passado, mais especificamente às coisas ruins do passado, as que foram de fato e as que considero ruins da minha perspectiva, porque tenho plena consciência de que nem tudo o que considero ter sido uma experiência negativa o foi de fato. Tenho uma imensa dificuldade em perdoar e esquecer, mesmo que se passe muito tempo, não consigo seguir em frente e sempre fico com aquela sensação desagradável de “assunto inacabado” na boca do estômago, como uma azia que fica me dando queimação. A pior parte disso é que essa sensação de assunto inacabado não passa nunca, esse mal-estar que chega a ser físico, porque a verdade é que a vida anda pra frente e, machucando ou sendo machucadas, as pessoas acabam seguindo seu caminho por obrigatoriedade da vida.


Como já disse então, eles não disseram nenhuma mentira sobre mim. Enquanto eu permanecer preso aos meus “fantasmas do passado” o único prejudicado serei eu mesmo e, com meu comportamento belicoso e cheio de rancor, tudo o que vou conseguir é afastar as pessoas de mim, machucando-as e me afastar delas, com medo de ser machucado. Todavia como já disse, apontar meus defeitos, minhas falhas de caráter pra mim não é o problema, acho válido, pois é importante termos um feedback. Temos por natureza o costume de nos enxergarmos como queremos, “eu sou assim e ponto final, estou certo, não importa o que os outros pensem”, mas é uma postura egoísta, devemos estar abertos à outros pontos de vista sobre nós mesmos. Você pode se considerar uma vítima, pode se considerar justo e compreensivo, mas será que o é mesmo? 


A imagem que passamos aos outros e a forma como somos vistos importa. É como o ator Joaquim Phoenix disse ao ganhar o Oscar de melhor ator semanas atrás pelo filme Coringa: “Eu acredito que nós estamos no nosso ápice quando apoiamos uns aos outros, não quando nos cancelamos por erros passados, mas sim quando nos ajudamos a crescer, educamos uns aos outros e nos guiamos no caminho pela redenção. E esse é o melhor da humanidade.”

O problema nesse “puxão de orelha” deles foi a forma como expressaram seu descontentamento para comigo, de uma forma tão extrema, rude como já disse, que eu sinceramente não esperava, dados os nossos anos de amizade. Embora com o intuito de me ajudar a melhorar, a forma exagerada como expuseram meus defeitos me magoou bastante. Enquanto um deles simplesmente decidiu romper contato sem me dar direito a defesa, o outro disse que sou uma pessoa maligna, termo que achei bastante forte. Ser mal é uma coisa, mas ser “maligno”, do meu ponto de vista beira o demoníaco


Ele disse que é difícil confiar em mim, afinal, se sou capaz de guardar tanto rancor no coração de pessoas as quais eu já disse ter amado no passado, qual é a garantia de que não vou odiá-los ou até mesmo tentar prejudica-los no futuro? Entendo o receio deles, entendo o que quiseram dizer, mas foi intenso. Ele ainda disse que, se eu não me vingo das pessoas como gostaria é porque não tenho condições, que se tivesse tempo e condições financeiras para tanto, seria até mesmo capaz de pagar alguém para matar meus desafetos. Foi nesse ponto que a coisa desandou.


Admito que sou uma pessoa rancorosa, admito que, nos momentos de raiva, sim, desejo o mal do outro, hábitos péssimos os quais pretendo extirpar e que sei o quanto são venenosos a mim e aos outros, mas daí a dizer uma coisa dessas, que “sou maligno” e que se pudesse, “mandaria matar”, isso foi pegar pesado demais. Puxões de orelha tem um limite, a liberdade que você dá para que seus amigos sejam francos com você tem um limite e eles ultrapassaram o deles em quilômetros. E o pior é que eles simplesmente não percebem ou admitem isso, mesmo eu lhes dizendo o quanto fiquei magoado com tudo o que foi dito. Eu disse a eles que sim, eles estavam certos sobre mim em alguns aspectos, mas que a forma como me disseram tudo me feriu bastante, mas ambos permaneceram irredutíveis.

Se fiquei com raiva dos dois pelo que aconteceu, pelas coisas que me disseram de forma tão rude? Claro que sim! Mas imediatamente pensei: “Então vai ser isso? Mais uma vez vou deixar esse ciclo se repetir? Perder bons amigos e ficar guardando rancor eterno”? Se fizer isso vou estar dando aos dois plena razão para as coisas que acham sobre mim. Se me deixar dominar pelo ódio, pelo rancor, se ficar destilando minha mágoa contra eles nas redes sociais em forma de indiretas, como tenho o péssimo hábito de fazer, vou estar sendo tudo o que eles me acusam e muito mais. Então não, não devo deixar que esse rancor me domine mais uma vez, que se transforme em raiva, que da raiva se transforme em ódio e que se torne mais uma lembrança amarga na minha coleção de tantas. Contudo não tenho conseguido evitar a mágoa, pois doeu demais, machucou muito, eu disse isso a eles de todas as formas educadas que consegui e ainda assim eles permanecem irredutíveis em seu pedestal de soberba.


Recentemente falei com um deles, puxei assunto para tentar deixar ainda mais claro que embora esteja imensamente magoado com o julgamento que tiveram sobre mim, estou me esforçando ao máximo para não lhes guardar rancor e que concordo com parte do que foi dito sobre mim. Não quero lhes desejar mal, muito pelo contrário, não quero ceder aos meus instintos mais sombrios, quero provar a eles que não sou essa pessoa horrível que acreditam que sou, mas estou bastante magoado e sinceramente isso afetou minha autoestima de forma que eles não fazem ideia. 


Descobrir que pessoas as quais você acreditava compreenderem você, entenderem seus problemas, na verdade te enxergam dessa forma tão monstruosa é perturbador. Da mesma forma que eles dizem não conseguirem confiar em mim, como posso eu confiar neles, me sentir à vontade ao lado dos dois, sentir que sou de fato querido, me abrir com eles, contar minhas dores e problemas? Como vou saber o que de fato pensam sobre mim e que não vão, no futuro, usar tudo o que eu lhes disser para me ferir?

Há alguns dias ambos me bloquearam em suas redes sociais. Quando questionei o porquê, disseram que não são obrigados a verem minhas postagens de ressentimento, que posso sim estar ressentido, mas que ambos não são obrigados a acompanhar isso. Estão certos nessa parte também, em partes, ressalto, ninguém é obrigado a passar por nada que não queira. Se quero provar aos dois que de verdade não lhes guardo rancor, não devo agredi-los, atacá-los, nem a eles nem a ninguém que eu diga amar, é uma promessa que fiz a mim mesmo. Mas a mágoa, “putz”, eles de fato não fazem ideia do quanto me machucaram dizendo as coisas que disseram de forma tão crua, machucou fundo. E o que me fere ainda mais é perceber que, apesar de eu ter deixado isso o mais claro possível, ambos não estão nem aí com isso.





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