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Sobre reuniões familiares, lojistas zumbis, conversas simuladas e viagens no tempo

sábado, 1 de janeiro de 2022

Eu sempre me esqueço que quem está de férias sou eu e não os outros, todos estão trabalhando e no geral só acabam folgando nas vésperas de natal e ano novo, e é claro, optam por comemorar as festas junto aos familiares. Como minha família e bastante desunida e nunca teve esse costume, muitas vezes eu acabo achando que é assim com todo mundo. Não é que eu não goste dos meus parentes, bem, na verdade de alguns mais, de outros menos, mas o fato é que cada um foi pro seu canto, viver sua vida e formar sua própria prole. Além do mais eu considero que minha família é dividida em dois núcleos distintos: os que conseguiram construir uma vida melhor, mais confortável e os fodidos como eu, com pouco dinheiro e muitos problemas psicológicos. Isso acabou contribuindo ainda mais para que, com o passar dos anos nos misturemos cada vez menos, cada núcleo acaba só se reunindo mais com seus iguais. Portanto sempre achei estranho esse lance de reunião familiar, somos todos muito diferentes e quando nos reunimos me sinto estranho, deslocado. Na verdade, nem me lembro mais qual foi a última vez que fizemos uma grande reunião familiar.

Com meus poucos amigos todos ocupados com o trabalho e focados em suas próprias famílias e prioridades, o que mais fiz durante minhas férias de dezembro foi caminhar a esmo pelas ruas da cidade. Mesmo com a mortal pandemia de COVID-19 ainda assolando o país, tomei coragem e voltei a frequentar o cinema, pois já estou devidamente inoculado com as três doses de vacina, continuo usando máscara, álcool em gel, então confesso, fiquei de saco cheio desse lance de isolamento social. Ainda evito multidões sempre que posso, mas já não consigo mais manter o isolamento como antes, meu psicológico já cansou.
Fui várias vezes ao shopping e ao calçadão no centro da cidade também, embora esse último não me agrade nem um pouco e quando decido ir, é somente por necessidade ou tédio extremo. Foi-se o tempo quando o centro era bem frequentado, um ambiente propício para você sair com sua família e se distrair. Hoje em dia, quando sou obrigado a ir apara comprar alguma coisa ou simplesmente por falta de companhia ou um programa melhor, acabo ficando extremamente estressado e com desejos homicidas. Você já não consegue dar três passos sem que alguém venha gritando na sua orelha, tentando te vender todo tipo de coisa, ler sua mão ou pedir “me ajuda comprando uma balinha, pelo amor de Deus”. Fora os lojistas desesperados que só faltam te arrastar pra dentro da loja quando você passa na frente, tipo zumbis de filmes de terror.

Quando opto por simplesmente sair caminhando a esmo pelas ruas é para poder pensar em paz, falar sozinho ou chorar em algum lugar mais isolado. Aliás, se tem uma coisa boa que o uso de máscaras de proteção trouxe para pessoas como eu é poder falar sozinho, em voz alta, de forma bem mais discreta enquanto caminho. Sempre tive essa mania e acho que sempre vou ter, efeito colateral da solidão creio eu, não consigo só pensar, principalmente quando estou nervoso, ansioso ou deprimido. Quem me vê na rua deve pensar que estou bêbado ou que sou louco, porque quando dou por mim estou tagarelando sem parar comigo mesmo, pensando em voz alta, reclamando de algo, desabafando aos quatro ventos ou simplesmente simulando conversas que gostaria de ter com as pessoas. Na real, acho que é o que mais faço, fico falando como se estivesse conversando com alguém, imaginando o diálogo. Já tentei me controlar e simplesmente só pensar, mas é mais forte do que eu, quando percebo já estou falando sozinho. Como se já não bastasse isso, como tenho problema de coluna ainda tenho a mania de caminhar entortando a cabeça pra lá e pra cá, tentando estalar os ombros e pescoço. Certa vez um amigo da família foi em casa e disse que me viu fazendo isso na rua, falou, gargalhando, que eu parecia um louco. Como sempre faço com a maioria das pessoas pouco relevantes pra mim, fingi que achei engraçado e até ri também, concordando. Por dentro, lógico, mandei ele pro inferno.

Muitas vezes essas minhas caminhadas funcionam como uma espécie de máquina do tempo e me levam à lugares do meu passado. Sou uma pessoa muito nostálgica, estou constantemente recordando coisas que já vivi, tanto os bons quanto os maus momentos e vez ou outra me surge a curiosidade em revisitar fisicamente meu passado, escolas nas quais já estudei, lugares que frequentei por algum motivo, os bairros, ruas e casas nas quais já morei quando criança ou que meus amigos de infância moraram, amigos esses os quais hoje não faço a menor ideia de como e onde estão, se estão bem ou não, vivos ou mortos.
Dependendo das lembranças, cada lugar me traz uma sensação diferente, às vezes boa, às vezes ruim. Alguns lugares mudaram muito pouco, já outros nem reconheço mais. Onde antes havia uma casa hoje há uma oficina ou um terreno vazio, ruas de paralelepípedo hoje são pavimentadas, até o ar que se respira parece diferente das minhas lembranças, o que é perfeitamente natural é claro, ingenuidade esperar que tudo que eu deixei pra trás esteja intocado, congelado no tempo. Sinceramente não sei o que busco, talvez sensações há muito perdidas, de quando as coisas eram mais fáceis, as amizades mais numerosas e a vida menos complicada. É um misto de nostalgia boa com a tristeza do que acabou e não vai mais voltar. Rostos e vozes das quais tento me lembrar, mas que depois de tantos anos já estão pouco nítidos. Me lembro de acontecimentos específicos, lugares, nomes, mas as imagens são borradas, como olhar algo por um vidro texturizado.

Sei bem que esse meu hábito em revisitar o passado é pouco saudável. Não seria se eu soubesse usá-lo da maneira certa, como um instrumento de aprendizado, buscando não cometer os mesmos erros, esquecer coisas ruins irremediáveis, uma vez que o que já aconteceu é imutável, mas acaba que muito do que eu sinto me domina, é mais forte do que eu. Das coisas boas de meu passado, que não são muitas, acabo não tirando força ou motivação, apenas saudade e lamento pelo fato de sentir que de alguma forma não aproveitei tudo o que podia. Das coisas ruins desencavo mágoa e revolta, frustração por tê-las deixado acontecer, por não ter tido forças para fazer diferente na época e por não conseguir deixa-las para trás até hoje, mesmo tendo consciência de que carregar tanto peso comigo não agrega em nada.

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