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Sobre datas queridas, tetos de vidro e bares.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

No domingo próximo será o aniversário do bebê de uma de minhas muitas primas. Minha tia, minha mãe e eu fomos convidados. Minha mãe veio durante a semana me perguntar se vou querer ir.
As pessoas são gozadas, as vezes o rumo que nossas vidas toma também. Há muitos anos atrás, quando eu ainda era bem criança nós moramos na casa dos fundos dessa prima.




Na verdade eram duas irmãs. Meus tios, pais delas, eram considerados "ricos" para os padrões da época, eram os anos 80. Ela tinha uma bela casa com piscina (pra época), um belo carro e uma ótima renda familiar. Meu tio era dono de um bar na rua de baixo e fomos morar nos fundos, porque a casinha era ligada com o bar e ele queria que fôssemos trabalhar lá para ele. Bom, minha mãe e minha tia, eu não, pois era só uma criança infantil.

Moramos lá durante anos e trabalhamos no bar todo esse tempo também. E apesar de todos nos relacionarmos bem, sempre houve um certo grau de hierarquia entre nós e os meus tios da casa da frente, pois afinal morávamos lá de favor, pagando o aluguel com o trabalho do bar. Haviam discussões vez ou outra, mas eu era pequeno demais pra entender o porque e também não me importava.
Durante todo o tempo em que moramos lá, minhas primas não perdiam a oportunidade de jogar na minha cara que estávamos morando lá de favor e que se elas quizessem, a qualquer momento, apenas com um pedido delas aos pais poderíamos ser expulsos da casa e ir pra debaixo da ponte. Elas sempre adoravam me lembrar disso quando íamos brincar e eu não concordava com alguma coisa. Não acredito na inocência das crianças. A maioria delas pode ser bem mais cruel do que um adulto quando quer. Você, pai, mãe, não pense que conhece o seu filho. Ele se mostra pra você como ele quer. Existe um lado dele que você jamais vai conhecer.

Logicamente, morrendo de medo de sermos expulsos eu as obedecia, mesmo muito contrariado e ofendido. Esse lance de que criança não liga, criança esquece é tudo balela. Crianças não são como cachorros que levam uma chinelada e voltam pedindo afago.
Quando meus tios viajavam ainda servíamos como caseiros da casa de cima, vigiando. Óbvio que não podíamos entrar lá dentro, já que trancavam tudo. Tínhamos acesso apenas à garagem, feito cães.
Depois de muitos anos nos mudamos de lá para uma casa alguns quarteirões acima. Na época achei normal, as pessoas sempre se mudam, entretanto anos depois fiquei sabendo que essa outra casa pra onde nos mudamos também era alugada pelos meus tios. Saímos da cada deles pra ir morar em outra casa também deles. Descobri mais tarde o porque disso.

Depois de um tempo o bar não estava mais dando tanto lucro quanto antes. Normal isso, para um barzinho mequetréfe de periferia. E de todas as causas possíveis e imagináveis para isso os meus tios pensaram na mais óbvia, isso no ponto de vista deles: Nós estávamos lhes roubando.



Houve brigas, discussões, acusações e é óbvio que não podíamos permanecer mais lá, sendo acusados daquela forma. Só que o problema era que ninguém trabalhava, ou melhor, nossa renda vinha daquele bar e do dinheiro que meus tios nos pagavam pelo trabalho.
Pelo que eu entendo hoje, parece que todos fizeram um acordo e meus tios arrumaram um outro canto pra ficarmos, após nos expulsarem de lá feito ladrõezinhos baratos. Nada humilhante, não? Acusados de roubo e ainda assim sendo obrigados a continuar nas mãos dos nossos acusadores.

Passados mais alguns anos a nossa vida se acertou um pouco e saímos dali e das mãos dos meus tios. Nunca tivemos casa própria, como até hoje não temos, mas mudando daqui, mudando dali fomos vivendo.
É desnecessário dizer que cortamos relações completamente com meus tios, ficamos anos e anos sem nos ver, sem nor falar. Das pouquíssimas vezes que nos víamos, em aniversários ou festas, ficava aquele clima de "não te conheço e te odeio". Fomos tocando nossas vidas e deixando eles viverem a deles.
Com o passar dos anos, a economia em crise e tudo o mais, muitos ditos "ricos", dos anos 80 hoje se tornaram classe média. Quem era rico ficou pobre e quem era pobre ficou mais ainda. Meus tios venderam o seu casão com piscina e compraram um casão sem piscina, mas igualmente pomposo, senão mais. Com banheiras, jardim de inverno, academia. Me lembro uma vez que saí com a minha prima  e uns primos de carro e falávamos sobre trabalho. Perguntamos a ela se ela não iria arrumar um emprego e ela disse: "Graças a Deus eu não preciso trabalhar".

O problema de você viver muito tempo cheio da grana é que você acaba se acostumando com isso. Se torna natural ter uma casa bonita, roupas boas e academia no terceiro piso. Daí quando a coisa começa a ficar preta você não quer dar o braço a torcer, procura manter o seu velho estilo de vida o máximo que puder e faz de tudo para passar aos outros a imagem de que você continua por cima da carne ressecada, mesmo que o mofo e as rachaduras nas paredes brancas de sua enorme casa já estejam visíveis até pra quem passa na rua. E depois dizem que não existe justiça divina, não é mesmo?
Mesmo com meus tios apenas tentando manter as aparências dentro de sua mansão rachada, a família toda já sabia que seus tempos de glória já tinham ido embora faz tempo. A impáfia deles demorou mais, mas com o tempo acabou diminuindo também. Bem que dizem que as vezes algumas coisas acontecem conosoco pra nos ensinarem humildade e nos fazer baixar a bola.

É fácil pedir perdão e se arrepender das coisas quando você percebe que seu pedestal quebrou e que agora você tem que olhar pras pessoas olho no olho e não de cima como fazia antes. É fácil esquecer ofensas e humilhações quando não é você o ofendido. Errar é humano, perdoar é divino. Eu ainda acho que quem vem com esse papo moralista é porque nunca passou por determinadas situações ou tem um sangue de barata.
Hoje estamos todos "bem". Há alguns anos atrás os meus tios pediram perdão à minha mãe e a minha tia pelas acusações. Eu não estava presente mas imagino a cena melosa ridícula. Todos se abraçando, chorando, dizendo que estavam errados e que não tiveram a intenção (essa é a parte mais odiosa). Certa vez lembrei às minhas primas as coisas que elas me diziam na infância sobre nos expulsarem. Elas nem se lembram disso. Oras, que novidade. Não devia esperar outra resposta.

Quanto mais eu lembro de coisas como essa e de coisas mais recentes pelas quais passei com algumas pessoas, mais vejo o quanto são hipócritas. Elas lhe humilham, lhe ofendem, lhe desprezam, depois "se arrependem", vem pedir o seu perdão e se você o nega elas ainda se acham no direito de ficarem bravas, tipo "você tem a obrigação de me perdoar"! Se te pedem perdão e você diz não, você passa a ser o vilão intolerante, porque as pessoas boas perdoam e se você não faz isso não é uma pessoa boa. Legal isso. E na bundinha não vai nada né?
Podem chamar isso de falsidade se quiserem, mas o fato de eu tratar uma pessoa bem não significa necessariamente que eu a perdoei. É apenas o que eu costumo chamar de "marketing do bom relacionamento". Você finge que se importa comigo, eu finjo que me importo com você e a sociedade agradece.

O fato de algumas pessoas fazerem o que fazem com você, dizerem o que dizem e depois acharem que "quando casar sara" me deixa quase tão ofendido quanto o que elas me fizeram originalmente.
Meus tios e minhas primas em meus 34 anos jamais me deram uma cueca de aniversário sequer. E hoje, moram numa casa simples, trabalham pra sobreviver, são tão fodidos quanto eu e esperam que isso compense alguma coisa.
Não lhes desejo mais mal como lhes desejei durante muitos e muitos anos. Mesmo porque de certa forma a minha praga pegou. Pra mim são indiferentes, eles, seus filhos, seus netos e quem mais vier. Trato-lhes bem porque eles me tratam bem, mas são tão irrelevantes pra mim como meus vizinhos do muro do lado.
Não, não vou no aniversário de um fulaninho o qual nem sei o nome.



ATUALIZAÇÃO: Em uma conversa recente com a minha mãe sobre isso, perguntei a ele se alguma vez os meus tios depois de todos esses anos pediram perdão pelas acusações que nos fizeram. Eu imaginava que tivessem já pedido, mas não, agem conosco hoje, como se nada nos tivessem feito.


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6 Divagações

  1. Não querendo defender suas primas, penso que as crianças mal-educadas representam o que seus pais são... Existem alguns casos (isso obviamente numa certa faixa etária) onde é impossível ter algum referencial de injustiça entre elas. Por exemplo em brincadeiras onde um fiscaliza o outro para evitar fraude, num esconde-esconde, ou num jogo qualquer é uma briga caso algum tente trapacear. Evidente que é uma justiça 'egocênctrica' onde apenas cada um tenta garantir o seu...Essa questão de disparidades entre pessoas da mesma família é um porre, já tive casos assim é muito difícil lidar.

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  2. O mundo gira, nesse texto isto fica claro. Um dia estamos em cima no outro embaixo. Independente de situação econômica, pessoas são pessoas, e como dizia shakespeare: "o importante não é o que temos, mas sim quem temos..." Então, é isso.
    Abraços, Thales Willian.

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  3. A vida dá muitas voltas!!! E o tempo se encarrega de colocar os pingos nos is. Toda família tem suas histórias: na maioria cheias de mágoas, de desfeitas, de menosprezo, pois o ser "humano" é muito complicado, metido, arrogante, entre outras coisas.Parece que as pessoas não se dão conta de que vão todos para o mesmo lugar e que não levarão nada junto.
    Mas não faz bem para a gente ficar alimentando mágoas, rancores... Vire a página, meu querido, e mande isso tudo pra... pqp!!! rs
    Bjkas, muitas!

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  4. Afe! Parente é um saco mesmo... tb vive coisas parecidas, e nem sei o que é perdoar.Se perdoar é esquecer, acho que não sei perdoar, mas tb tenho alguns parentes que são irrelevantes para mim.Não desejo mal, nem bem... apenas desejo que vivam a vida deles, longe de mim. Graças moro em Brasília, e garanto que é beeeemmm longe. Mas tb tenho parentes bacanas, os quais sempre visito quando tenho oportunidade. E acho que vc tácerto: tratar bem não custa tanto assim. Mas tb não faço o tipo boazinha, ou fingida,apenas sou bem educada. Abraços.

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  5. Amigo, o que voce descreve passa muitos sentimentos, aos meus olhos, a mim: o desprezo deles, a falta de vinculo familiar, a intolerancia, prepotencia, a necessidade de voces. Quer saber? O que vc relatou nao pode ser espanto para quase ninguém, toda familia tem suas pedras no sapato. Sempre tem os podres. O meu tio materno, por exemplo, é podre de rico, no entanto, nunca ajudou de fato minha mãe e na minha separação dolorosa não me estendeu a mão. Sabe o que acontece?! Eu o desprezo, para mim ele não existe.

    Fez bem desabafar e além do mais mostrar que a vida corre em paralelos.

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  6. Família em si, é, muitas vezes, uma bosta.

    Quem dera todos nascessem em Esparta e sejam criados para ser guerreiros desde pequenos com honra e espadas.

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