O fim de quase todas as coisas.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
Por Abu Fobiya
Durante a maior parte do tempo em que vagou a esmo pelo cosmo, o planeta conhecido como Terra não teve relevo, cheiro e nem cor, semelhante a uma grande e vazia esfera de grafite, com superfícies perfeitamente planas e entediantes.
Preso às memórias da época em que as areias do tempo ainda caíam, Charon costumava visitar aquele planeta esquecido e sentar-se no vazio, igual a todos os outros vazios, por onde um dia passou o rio Estige. Foi quando uma ninfa curiosa, vinda de alguma estrela ou sonho perto dali, aproximou-se e perguntou ao ancião o que ele fazia num lugar tão desolado.
“Tão pequenos e tão frágeis. Eram pouco mais do que um amontoado de tecidos, ossos e pouca consciência”, descreveu. “Mas por breve instante reinaram sobre seres muito mais poderosos e dignos.”
Contou-lhe sobre suas emoções, tão únicas e efêmeras, riu de suas criações, vistas como meros deboches pelos deuses, erigidas com base em interpretações obtusas de suas leis. A visitante ficou estupefata ante os relatos de espécie tão notável, que desapareceu de forma tão repentina, como se os deuses quisessem apagá-la de seus livros. Ao lado de Charon, a ninfa percorreu a lisa esfera de grafite, tentando imaginar onde outrora houve cidades, florestas e sonhos. E em meio a todo aquele vazio histérico, Charon apontou o dedo para a única construção remanescente:
“É uma casa”, disse o barqueiro. “Coisas inomináveis aconteceram aí. Personagens e feitos que por milênios inspiraram pesadelos. Foram-se seus habitantes, vieram os outros, foi-se a floresta, vieram as cidades, foi-se o mundo, vieram os demônios, foi-se o tempo, veio o nada. E, da era dos homens, esta pequena casa foi tudo o que restou.”
A ninfa se aproximou da construção e tocou as paredes esbranquiçadas, feitas de barro e pedra amontoados sobre lascas de árvores. Abaixou-se para passar pela pequena porta redonda, e observou o interior repleto de objetos de formas indecifráveis. Depois de alguns instantes em silêncio, perguntou:
“Diga-me, barqueiro, qual o nome do homem que construiu tal maravilha, capaz de resistir ao tempo, ao vento e ao fim?”
“Homem?”, riu Charon. “Não foi um homem quem construiu esta casa. Foi um porco.”
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