1

Sobre colchões, superpoderes, invasões alienígenas e se sentir relevante de fato.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016


Nunca me esqueço de um antigo comercial de colchões que vi na TV há mais ou menos uns 25 anos, creio eu, no qual o garoto propaganda falava da importância de uma boa noite de sono e da importância de sonhar, pois quem não consegue sonhar, acaba neurótico. Na época isso me assustou bastante. Ingênuo, eu passei a ter medo de não conseguir sonhar e acabar louco. Todas as noites nas quais tinha insônia ou acordava na manhã seguinte sem conseguir me lembrar dos meus sonhos eu ficava preocupado. Hoje me lembro disso e acho cômico, pois a gente cresce e descobre que não se lembrar dos sonhos é o menor dos nossos problemas e não é nem de longe o que pode nos enlouquecer de fato.
Sempre tive um certo controle sobre meus sonhos, pois na maioria das vezes eu sabia que estava sonhando e me aproveitava disso. Desde criança sempre fui muito auto analítico e cético em relação a muitas coisas. Enquanto a maioria dos coleguinhas aos 10 anos esperavam ver o Papai Noel no Natal ou encontrar pegadas de coelho pela casa na manhã de Páscoa, eu sabia bem que o cara de vermelho sentado na cadeira da loja de departamentos era só mais um dos muitos infelizes vestidos de Noel pela cidade, alguns até bem magros pra desempenhar o papel do bom velhinho. Então, em relação aos meus sonhos sempre soube o que eram: ilusões. Ilusões nas quais eu podia fazer coisas e ser a pessoa que eu jamais podia ser na vida real, o garoto cercado de amigos, o superpoderoso que podia levantar um carro com uma mão ou sair voando de um salto. Aliás, pra quem nunca andou de avião posso dizer que adoro voar, ainda hoje. Apesar de, quanto mais velho estar ficando, menos pó mágico da Terra do Nunca encontre nos meus bolsos a noite, mesmo agora, aos 40 gosto de bancar o Peter Pan, tomar impulso numa corrida e alçar voo. Por mais ilusório que eu saiba que é, nos meus sonhos é o único lugar de fato onde me sinto livre, onde me sinto eu mesmo.
É interessante como a extensão dos meus “superpoderes” está ligada ao meu estado de espírito. Há ocasiões nas quais eu só consigo flutuar a poucos metros do chão. Tenho medo, a insegurança de cair lá do alto e me arrebentar no chão, sempre tive medo de altura. Mas há aquelas noites nas quais eu consigo ascender quase pra fora da Terra, vou subindo, subindo até acima das nuvens. Consigo fazer isso nos dias em que estou muito contente ou com muita, muita raiva de alguma coisa... ou de alguém. Talvez tenha a ver com o famoso “ligar o foda-se”. O que eu sou na vida real? Invisível, apenas mais um, um ninguém, uma pessoa assumidamente carente da qual eu sei, muitos tem pena, apesar de não terem coragem de falar na cara. Então, se nem mesmo num sonho eu puder fazer o que quero, puder voar alto, puder cair, puder erguer uma tonelada sem esforço, se até mesmo em um sonho eu for inseguro, o que me resta?
A atenção que eu não recebo no mundo real pelo que eu sou, consigo no mundo dos sonhos, pelo que sou capaz de fazer. Voando para os amigos, realizando façanhas maravilhosas, salvando o dia de uma invasão alienígena de grandes proporções.
Mesmo no transe do sonho, vivendo minhas fantásticas aventuras, sei que nada daquilo é real, sei que não posso sair voando, sei que quando acordar, todos aqueles amigos que estavam comigo no sonho vão estar cuidando de suas vidas, dando prioridade aos seus assuntos, sei que logo vou acordar e enfrentar a realidade, o trabalho, as contas a pagar, os problemas pessoais e familiares. E acreditem, modéstia a parte eu os enfrento bem, melhor do que muitos eu diria, quem me conhece sabe. Mas meus melhores dias são quando eu consigo fazer a noite o que não faço durante o dia: me sentir vivo de fato. Relevante para mim e para todo o resto.




1 Divagações

  1. Independentemente do choque terrível de realidade que ocorre depois, triste seria não sonhar. Mesmo que por pouco tempo, podemos ser invencíveis. Aproveite!

    Beijos!
    Blog: *** Caos ***

    ResponderExcluir

Muito obrigado por comentar. Sendo contra ou a favor de minhas opiniões, as suas são muito interessantes para mim. Tenha certeza!