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Sobre conexões eternas, adjetivos pejorativos irrelevantes, opiniões opostas e seringas vazias.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Minha mãe e eu estamos brigados novamente, já estamos sem nos falar há três semanas, depois de eu ter perdido a paciência pela enésima vez e pedir para que ela arrumasse suas coisas e voltasse para sua casa. Faz tempo já não consigo mais tolerar sua personalidade sempre belicosa, pessimista e preconceituosa em vários sentidos. Sempre que surge a oportunidade ela faz um comentário desagradável sobre alguma situação ou alguém, seja um de seus vizinhos, a aparência de um ator ou atriz de algum filme que estejamos assistindo, criticando a casa onde minha tia e eu moramos (e na qual ela morou conosco por muitos anos), além de seus comentários homofóbicos e racistas. E em todas as ocasiões que isso acontece e eu a confronto, jogando em sua cara suas inúmeras falhas de caráter. Ela fica furiosa, dizendo que eu sou intolerante com ela e que ela não é nenhuma das coisas das quais é acusada.

A bola da vez foi um comentário idiota que ela fez sobre as vacinas após ver um vídeo no Youtube. No vídeo, a enfermeira injetou a vacina no braço da mulher em menos de três segundos, o que em alguns casos é normal, dependendo da quantidade de líquido na seringa. Imediatamente ela afirmou que, quando isso acontece é porque nada foi aplicado, que era tudo um “golpe” para encobrir a falta de vacinas no país. E olha, de fato ao longo dos últimos meses, desde o início da pandemia foram divulgadas notícias assim, então creio que tanto possa ser verdade quanto mentira, não tenho de fato como provar, contudo, na dúvida prefiro não afirmar nada de forma veemente. Já ela, em todas as afirmações que faz, acusações, ergue o tom de voz e diz, com toda a certeza que acha ter, que tal coisa é um fato cem por cento comprovado. Nesse episódio específico, eu, que já estava de mal humor e cansado de alguns de seus comentários, respondi de forma irônica, dizendo que ela é muito sábia e sempre sabe de tudo com toda a certeza. Ela voltou da cozinha furiosa, parou na porta e disse que não aguentava mais, que está prestes a desistir de ser minha mãe e parar de me considerar como filho dela, pois eu a estou sempre criticando e jamais vamos nos entender.

Eu, que até o momento estava calmo, de imediato me irritei e lhe disse que, sendo assim, suas coisas estavam no quarto e o portão para a rua estava destrancado, que ela podia arrumar tudo e voltar para sua casa, já que estava tão insatisfeita. Ela então se calou, surpresa pela minha resposta e imediatamente se pôs a fazer as malas chorando. Minha tia não interveio, pois, apesar de ser muito mais paciente do que eu, também já está muito cansada do comportamento de sua irmã. Vendo que minha mãe estava decidida a ir embora, o que fez foi ajudá-la a arrumar as malas. Poucos minutos depois ambas pediram para nossa vizinha chamar um Uber e ela foi embora sem dizer nada. Bem, na verdade disse sim, que odeia a casa onde moro com todas as suas forças e que nunca mais voltaria, que a partir daquele momento eu não era mais filho dela e nem minha tia sua irmã, que não precisa mais de nossa ajuda para nada e que não quer nos ver nunca mais.

De minha parte sei que fui bastante rude ao dizer para ela arrumar suas coisas e ir embora, mas quem de fato conhece nossa história de vida sabe que minha mãe se tornou uma pessoa bastante complicada e difícil de lidar, uma companhia bastante desagradável quando resolve destilar suas opiniões infundadas, preconceitos e julgamentos. Mesmo ela dizendo que me aceita plenamente enquanto homossexual, não perde a oportunidade de criticar outros, seja por sua aparência extravagante, por serem afeminados demais ou ter algum comportamento considerado, por ela, inadequado socialmente. Sempre que vai falar sobre alguém, seja sobre qual assunto for, bom ou ruim, automaticamente e acredito que, sem se dar conta, especifica se a pessoa é preta, gay, gorda, magra, careca, como se isso tivesse alguma relevância no assunto em questão. É o tipo de coisa que me irrita e ofende, pois mesmo que as críticas não sejam direcionadas a mim, sou gay, tenho amigos gays, alguns afeminados, outros não, amigos negros, mas ótimas pessoas, íntegras, trabalhadoras, inteligentes. Mas para ela, pessoas fora do seu padrão de “normalidade” a incomodam muito. Você pode ser gay, mas desde que se encaixe no padrão que ela considera natural, não afeminado, sem quaisquer trejeitos, basicamente enrustido. Quanto a negros, “não sou e nunca fui racista”, ela diz, mas sempre que vai criticar alguém, usa termos pejorativos como “negão, negona, negrinha, pretinha”, isso faz meu sangue ferver de ódio. E como já disse, se a critico ela se pões furiosa, dizendo que estou sendo injusto e a julgando.

Sinceramente acredito que ela simplesmente não perceba que ofende as pessoas. Ela é aquele tipo de gente que se julga no direito de expressar suas opiniões da forma que quiser, mesmo que seja de forma grosseira ou má educada. Creio que para ela isso seja o retrato de uma pessoa franca e sincera, que fala o que pensa de forma direta, mas isso de forma alguma pode, a meu ver ser usado como desculpa, assim como seu diagnóstico de transtorno bipolar, do qual ela se aproveita para justificar seus gastos excessivos e seu comportamento agressivo e "franco". Eu já lhe disse que, pessoas loucas para mim são aquelas que rasgam bosta e comem dinheiro. Claro que entendo perfeitamente que as doenças mentais, sejam elas quais forem, podem mudar o comportamento de uma pessoa radicalmente, mas ela já fez anos de terapia (da qual recebeu alta, não entendo como) toma seus remédios controlados, mas apesar de tudo isso, quando mais jovem sempre foi uma pessoa muito inteligente, adepta da leitura e de filmes que ensinam lições de vida. Também entendo que não apenas uma doença mental pode influenciar, mas a idade também. Se eu chegar a envelhecer não tenho como prometer que estarei cem por cento são ou com a saúde física plena. Contudo eu acho que os conhecimentos e lições que você absorve ao longo de sua vida deveriam te ajudar a refletir melhor sobre si mesmo e os outros.

Entendo também o fato dela ser uma pessoa extremamente frustrada com a própria vida, que não conseguiu realizar seus sonhos por não ter tido forças de quebrar o elo de uma corrente que já vem de gerações. Um pai autoritário e nada amoroso, uma mãe fraca e submissa, que nada mais foi do que uma máquina de fazer bebês. Imagino o quanto deve doer para ela, bem, para qualquer pessoa, olhar para o passado e perceber quantas oportunidades não pôde aproveitar por conta de sua criação, sendo a mais velha de nove irmãs e tendo que praticamente ajudar a mãe a criar todas elas.
Até onde sei, o seu maior ato de rebeldia contra seu pai foi ter se envolvido com alguém e ido pra cama com essa pessoa unicamente para provocá-lo, desafiar sua autoridade. Curiosamente um homem negro pelo que sei, já que meu avô era extremamente racista.

E desse ato de revolta foi que eu surgi, talvez não indesejado, mas com toda a certeza não planejado. E embora hoje, depois de tanto tempo isso seja algo que não me incomode mais, não deixa de ser triste se dar conta de que o que te trouxe aqui não foi um ato de amor, mas de vingança e rebeldia. Tanto é que eu jamais conheci meu pai, não faço a menor ideia de quem ele foi, de quantos outros filhos ele teve, se da parte dele me desejou. Apesar de tudo, sei que minha mãe, depois que eu vim, passou a me amar muito e fez por mim tudo o que pôde, nunca me deixou faltar nada e eu sou e sempre serei grato por isso, mas tudo tem dois pesos e duas medidas, duas faces de uma moeda, a vida e as coisas pelas quais passamos nos mudam e minam nossas forças, sentimentos que antes eram claros se distorcem e misturam. No caso dela, o seu amor por mim foi temperado com uma boa dose de superproteção e controle, o que, conforme fui me tornando adulto acabou começando a me sufocar e a me fazer sentir inferior e dependente. Creio que muitas de nossas desavenças atuais se dão pelo fato dela não conseguir aceitar que apesar de sermos mãe e filho, uma ligação eterna, não podemos ser dependentes um do outro e nem eternamente conectados, que apesar dela ter optado por abdicar de muitas coisas, seja pelo julgo do pai, seja pelo apego a mim, as escolhas dela são escolhas dela, assim como as minhas são minhas.

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles,
mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás
e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados
como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica
com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

Khalil Gibran

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