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Sobre esqueletos no armário, decepções recíprocas e óleo sobre tela.

sábado, 13 de fevereiro de 2021


Sou bastante criticado por não conseguir me desligar do meu passado. Se continuar vivo até agosto próximo, completarei 45 anos e ainda assim, nos meus piores dias, me pego lembrando nitidamente de coisas que me aconteceram na infância, adolescência e nos anos que se seguiram depois dessas fases. Na verdade, sou da opinião que o problema maior não é você guardar uma memória ruim, afinal não somos computadores, não temos o poder de simplesmente deletar uma lembrança, só podemos escolher ignorá-la e ir seguindo adiante. Se você é uma pessoa que diz conseguir fazer isso, desculpe, mas está mentindo para si mesmo. O problema maior é você guardar uma lembrança ruim e a cada vez que ela resolve voltar, se sentir machucado por ela como se tudo estivesse acontecendo novamente. Invejo pessoas que têm a capacidade de suprimir uma lembrança ruim até o ponto de conseguir fingir que a superou.

Hoje tenho consciência de que grande parte das minhas frustrações com as pessoas, os “amigos” que já tive, foi causada por mim mesmo, pela expectativa que coloquei no outro, por esperar que a outra pessoa me amasse tanto quanto eu a amava, que quisesse me dar atenção tanto quanto eu queria dar a ela. É aquela velha história de “pintar um quadro” do outro, você idealiza, aplica na pintura as cores que lhe são mais convenientes, cria um cenário, e como todo o bom pintor ou desenhista, remove da arte as imperfeições que te desagradam. Por um tempo você até consegue ficar admirando a pintura, sua percepção da realidade se adapta ao que você gostaria que fosse. É por isso que, quando a realidade vai aos poucos te forçando a ver que as coisas não são bem como parecem, incomoda tanto. É difícil aceitar a verdade, aceitar que desde o começo o problema foi você e não o outro, que ele foi o que sempre foi, que tinha suas qualidades, mas também defeitos, que não te prometeu nada e nem exigiu nada em troca. Pelo contrário, quem fez isso foi você. Na verdade, mesmo que parte do problema tenha vindo do outro, ainda assim você se culpa, se sente um idiota por ter gerado expectativas e desejos em cima de alguém que não merecia tanto ou que não pediu por isso.

Sei também que, como tudo na vida têm dois lados ou mais, devem ter havido situações nas quais pessoas criaram expectativas sobre mim, pintaram seus quadros de acordo com o tipo de pessoa que acreditavam que eu fosse e que eu as decepcionei de diversas formas. Hoje ainda culpo os outros quando sou ferido, mas aprendi a assumir minha parcela de culpa também. Às vezes busco perdão, às vezes não. Têm vezes que não compensa nem tentar, pois você estragou tanto a coisa que, independente do seu arrependimento, para o outro tanto faz. Em alguns casos, ser perdoado seria muito importante para mim e eu busquei por isso, do fundo do coração, mas pude perceber o abismo que criei entre mim e o outro, e que para ele eu não significo mais nada, me perdoar ou não é irrelevante. Não posso culpar quem opta por isso, pois eu também sou assim. Pelo menos faço uma força sobre-humana para tentar ser, deixar o passado no passado onde é o lugar dele, seguir com minha vida e deixar os outros seguirem as suas e as coisas seguirem seu fluxo.

As duas últimas pessoas que optaram por se afastar de mim o fizeram com a prerrogativa de que não sou uma pessoa boa, sou negativo, rancoroso, belicoso, vingativo e até mesmo perigoso, que não sou de confiança. E embora não concorde com os dois últimos adjetivos, admito que vivo dando motivos para que os outros me vejam dessa forma. Eu não apenas guardo mágoas, mas às externo quando não consigo mais contê-las. E como já disse, algumas são justificáveis e outras não. E é por demorar para perceber a diferença que eu estrago tudo até o ponto de às vezes ser tarde demais para consertar.
No caso desses dois, especificamente achei que foram bem injustos comigo em alguns pontos, achei que depois de tantos anos eles me conhecessem bem o bastante para perceber a luta diária que travo comigo mesmo, o quando me culpo por certas coisas e que mesmo às vezes voltando a cometer alguns erros, o quanto isso me faz sentir doente. Mas como disse, não faltaram motivos para que ambos me vissem da pior forma possível. Resta agora mais uma vez tentar juntar forças para continuar seguindo meu caminho e deixar que sigam o deles, sem transformá-los em mais esqueletos no meu armário de memórias, os quais me assombram cada vez que eu abrir a porta.

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