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Sobre a morte e ressurreição da máquina, lactobacilos loucos e corpos no vapor.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021


Dia desses eu reclamei com um amigo sobre estar passando por uma maré de azar e o quanto isso estava me deixando irritado e sem concentração. De todas as respostas que eu esperava que ele me desse, "você deve estar passando pelo seu inferno astral, porque o seu aniversário está perto", foi a mais inusitada. Não achei ruim, apenas não acredito nesse tipo de coisa, numerologia, astrologia e o caralho a quatro. Encaro com curiosidade, até leio o meu horóscopo do dia de vez em quando no jornal impresso, mas não é algo que eu creia. Assim como o personagem Neo, do filme Matrix, não gosto de pensar que tudo já está escrito, pré-determinado, que não importa o que você faça, as decisões que tome, tudo já está traçado. Sou mais a Sarah Connor, do filme O Exterminador do Futuro: "Não existe futuro, exceto o que fazemos para nós", ou seja, o futuro não está escrito. Afinal, se estiver, do que adianta tomarmos decisões se tudo vai terminar como tem que terminar?

Há duas semanas, num domingo a tarde o meu computador pifou. Não que eu esperasse ou tenha achado normal isso ter acontecido, mas vamos e venhamos, o coitado já deve ter o que, uns 18 anos de uso. Fiquei navegando na internet durante a manhã toda, fiz uma pausa pro almoço e quando fui ligar novamente "PUF!", nada acontecia. Como não entendo quase nada sobre manutenção de computadores, depois de algumas tentativas frustradas de fazer ele funcionar novamente, desisti, pois acabaria deixando a situação pior do que já estava.
Na semana anterior ao acontecido, recebi pela milésima vez um convite desse mesmo amigo com o qual reclamei sobre meu azar, para conhecer uma sauna liberal. Eu sempre ouvi falar sobre esses lugares, mas como foi algo que nunca me interessou nem de longe, jamais tive curiosidade ou vontade de conhecer ou frequentar. Apesar de ter me assumido há alguns anos, ainda sou uma pessoa muito preconceituosa em vários sentidos. Sou gay, tenho amigos gays, mas não gosto e nem concordo com muitos costumes e comportamentos do meio. O que tenho tentado fazer é respeitar o máximo possível e, quando me sinto seguro para tanto, tentar conhecer mais sobre. Não se pode julgar ou criticar nada nem ninguém sem conhecimento de causa. Exceto o nosso "Presidente", claro. O simples fato dele continuar vivo já é uma afronta.

Eu já vinha recebendo convites desse amigo para conhecer o lugar já faz uns três anos. Adepto do meio liberal, ele já frequenta a tal sauna desde antes de eu o conhecer, sempre tecendo vários elogios ao local, dizendo o quanto o ambiente é divertido e relaxante. E caso até esse ponto da leitura você não tenha entendido do que se trata uma sauna "liberal", é um ambiente que além da sauna, é claro, promove festas de swing, encontros sexuais entre solteiros, casais, enfim.

Como já disse, nunca tive interesse em conhecer um local assim além de, é claro, ser cheio de preconceitos quanto a isso. Não sou nenhum santo, quem me conhece sabe, mas qualquer coisa relacionada a sexo, pra mim, é algo que prefiro externar entre quatro paredes, de preferência a dois. Tá, hoje em dia no máximo a três. Não sou de agir muito, não sou de falar muito, costumo dizer aos meus amigos gays, quando surge a oportunidade de conversar sobre sexo, que nesse quesito sou mais sensorial do que físico. Enquanto algumas pessoas, sejam mulheres ou homens se excitam com corpos bonitos, tapas na bunda, na cara, xingamentos e acrobacias dignas de filmes pornô, eu sou um tipo mais pacato, tenho e busco dar prazer através de carinho. É algo um pouco complicado porque para alguns, pessoas muito carinhosas não apenas são consideradas pegajosas demais como também parecem estar querendo um relacionamento sério. Não que eu não queira um, gostaria de namorar pelo menos uma vez na vida antes de morrer de velhice, mas mesmo quando se trata apenas de sexo, de prazer, prefiro ir mais pro lado carinhoso. Sou da opinião de que as pessoas precisam parar de associar você querer dar carinho, afago, afeto, com "querer casar". Pelo menos pra mim, longe disso.

Na semana anterior à morte do meu computador, quando recebi mais uma vez o convite desse amigo, obviamente entrei em pânico, pois já faz algum tempo estava propenso a aceitar. Minha justificativa para ele quanto às minhas constantes recusas é que tinha medo, afinal vai saber o que poderia me acontecer num lugar assim. Estupro na certa! Provavelmente, assim que eu pisasse da porta pra dentro, viriam uns quatro ou cinco caras pra cima de mim, me agarrando, se esfregando e me arrastando pra algum canto do local, me forçando a fazer coisas que eu não queria. Além do mais eu não me considero nada atraente fisicamente, totalmente fora dos padrões sociais impostos e com certeza, no momento em que eu ficasse nu na frente de todo mundo, ia ser motivo de chacota da sauna toda. Provavelmente sairia de lá violado, humilhado e me jogaria do primeiro viaduto que encontrasse. E olha que tem um lá bem pertinho do local, com trilho de trem e tudo, daria certinho.

Em todas as ocasiões nas quais ele me fez o convite, me garantiu que não seria assim, que as coisas não funcionam dessa forma, que ele me faria companhia o tempo todo e que eu não precisava ter medo algum. Claro, embora eu seja bastante tímido, retraído, inseguro e devagar, não sou ingênuo. Ir a um local feito para o sexo e esperar não se deparar com sexo não é apenas inocência, é idiotice. Eu confiava no meu amigo e sabia que com ele estaria seguro, ele sabe o quanto sou problemático em se tratando de sexo, nunca duvidei das palavras dele, apenas não sabia se conseguiria lidar com seja lá o que for que eu visse no local caso aceitasse ir. Contudo, nesse dia de domingo, depois de várias tentativas sem sucesso de ressuscitar o computador e o pânico tomando conta do meu ser, num ímpeto de coragem decidi aceitar. Diga a hora, o local e eu te encontro lá, tremendo mais do que vara verde é claro e mais gelado do que o cadáver morto de um defunto que já faleceu. Libido em 0%.

Como um dos meus nomes do meio é "Ansiedade", saí de casa bem antes do horário combinado e cheguei ao local tipo, com mais de uma hora de antecedência. Fiquei sentado numa praça próxima, refletindo sobre o que seria provavelmente o meu último dia de vida. Já podia até ver as manchetes: "Bicha corcunda esquartejada durante surubão em sauna".
Comecei a me acalmar quando ele chegou e nos encontramos na praça, de fato me senti bem menos vulnerável, mas ainda ansioso, imaginando como seria o local e que tipo de coisas bizarras veria lá. Chegamos, entramos e para minha surpresa o lugar era bem mais comum do que eu imaginava, menos luxuoso também. Esperava algo tipo como a gente vê nos filmes, paredes de madeira, muito vapor pra todo lado e azulejos brancos. No caso então seriam "brancolejos". Fiquei decepcionado nesse sentido, pois o lugar estava mais pra um casarão reformado, adaptado pra sauna. Luzes coloridas, ambientes escuros, pornozão rolando na TV e sinceramente o que mais me interessou: o ambiente externo, com mesas e cadeiras pra gente poder sentar, beber e conversar. No dia tava tendo open bar de vodka com Yakult. Coisinha gostosa!

Nesse dia o local abriu mais cedo e fomos os primeiros a chegar, o que me agradou MUITO, pois como sou tímido, acho que se entrasse e já desse de cara com uns vinte caras pelados, talvez transando na minha frente, provavelmente teria dor de barriga na hora. Todavia, ao encontrarmos o local ainda vazio, tive tempo de fazer o reconhecimento do ambiente e ir me acalmando. Estranhamente a sensação de sentar pelado numa mesa pra beber e bater papo é muito, muito relaxante, libertadora eu diria.
Aos poucos mais gente foi chegando. Meu amigo pareceu conhecer a maioria, os cumprimentou e eu fiz o mesmo apesar do acanhamento. De repente o que parecia tão alienígena para mim começou a ficar mais natural. Além de problemas com o sexo sempre tive problemas com o nu, principalmente o nu alheio, mas estar ali, tão a vontade, sentado, bebendo como se estivesse num bar, conversando sobre computadores queimados entre outros assuntos cotidianos, tornou o fato de todos estarmos pelados um mero detalhe. Um mero detalhe muito agradável, diga-se de passagem. Apesar da grande maioria estar ali para fazer sexo, como já disse não sejamos ingênuos, também estavam para socializar, curtir, conversar e relaxar. Quando dei por mim estava mais tagarela do que uma matraca, ao ponto do meu amigo precisar me controlar, pois eu já estava um pouco alto e mesmo sóbrio costumo me abrir demais, falar demais sobre mim, na esperança de fazer novas amizades ou algo próximo disso.

Se fiquei só na conversa? Não. Depois da quarta vodka já estava bem mais solto, mas ainda assim não sou desses que bebe até perder a noção. Fiz isso uma vez na adolescência, passei vergonha e jurei nunca mais beber tanto, principalmente pelos motivos errados. Mas coloquei uma quantidade de álcool suficiente no sangue para poder ficar mais a vontade. Ainda me é muito estranho tocar de forma íntima pessoas que não conheço, mas não foi o fim do mundo.
Se gostei da experiência? Sim, achei muito válido. Guardadas as devidas proporções e tomados os devidos cuidados, é interessante passar por novas experiências para, como eu disse, termos um certo conhecimento de causa. Se pretendo voltar? Até pretendo. Não é um ambiente que eu queira frequentar com frequência, pois não é o meu perfil, mas estando com um amigo, me sentindo seguro e estando disposto, por que não ir uma vez ou outra?
Quanto ao computador ele renasceu. Isso depois de eu investir uma pequena fortuna em reparos, a qual vai me endividar por alguns meses. Mas ele passa bem e tá até melhor do que antes. Tipo eu, depois da experiência da sauna.

PS: A sauna em si mesmo, no dia não tava funcionando. Uma pena.

2 Divagações

  1. Que legal..pense que foi uma experiência nova e agora vc pode falar nisso com " conhecimento de causa". Um conselho que te dou e ando praticando. Se cobre de ao menos uma vez ao mês " fazer algo que nunca tenha feito" ..e marque como compromisso. Tem dado certo e me pego pensando no que me atreverei no mês seguinte.recomendo.

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    1. Oi. Obrigado pelo comentário. De fato tenho tentado superar meus medos e inseguranças e tentar coisas novas. Ainda dando passos pequenos claro, e muitas vezes sentindo medo. Mas ir e fazer, já dá uma ótima sensação de superação.

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