Sobre apatia relativa, um afago no ego, reclamações repetitivas e o medo de quem fala o que sentiu.
quarta-feira, 8 de maio de 2019
Dias atrás estava conversando virtualmente com um amigo, reclamando sobre o quanto me sinto solitário. É de minha natureza, tento viver bem com pouca companhia mas não sou assim, não consigo, então vez ou outra acabo ficando bastante chateado e procuro alguém que esteja disposto a ter os ouvidos feitos de penico. Se de fato me ouvem por amizade ou se apenas tem pena de mim, não sei, desde que me deixem desabafar está ótimo.
Em verdade, hoje em dia evito buscar um “ombro amigo” para desabafar, pois a maioria das pessoas acaba dando sempre os mesmos conselhos clichês, os quais odeio e já sei de cor e salteados. Sei que querem ajudar, sei que, apesar de clichês tais conselhos tem seu grau de verdade, mas isso não me ajuda. Há momentos nos quais prefiro que a pessoa não diga nada, apenas me ouça, já está de bom tamanho. Ouvir coisas do tipo “você precisa aprender a ser feliz mesmo estando sozinho” só me deixa mais irritado e deprimido.
Voltando a falar desse amigo com quem estava conversando, eu falava pra ele sobre o quanto me irrita o fato das pessoas serem tão apáticas em alguns momentos. Sei que depois que nos tornamos adultos todos precisamos trabalhar muito, estudar, ter responsabilidades e que isso acaba tomando muito do nosso tempo livre, mas ainda assim sou adepto daquele velho lema que diz que “quem quer, quem realmente quer, arruma tempo”.
Eu disse a ele que me sinto culpado por ser tão carente, por precisar tanto de companhia e contei que há alguns anos, um sujeitinho que conheci no curso técnico me acusou de ter tempo livre demais, dizendo que se eu estudasse mais ao invés de querer passear quase em todos os finais de semana, iria melhor nas provas. Aquilo me marcou, me machucou. Quem era ele para me julgar daquela forma? Enfim, hoje, quando sinto vontade de chamar meus poucos amigos para dar um passeio fico receoso, me sinto culpado, com medo de estar tomando o tempo deles, incomodando. Mesmo quando eles me fazem companhia de bom grado, não consigo deixar de sentir que estão apenas me fazendo um favor por pena.
Foi então que esse amigo me disse algo que me deixou surpreso. Não sei se foi sincero ou se essa é de verdade sua opinião, mas ele me disse que talvez sejam as outras pessoas que não tenham vontade de aproveitar seu tempo livre como eu. Bem, pensando agora esse me parece um pensamento prepotente, afinal cada um sabe de si. Algumas pessoas se sentem melhor sozinhas, outras preferem passar o tempo livre em casa descansando, lendo, vendo um filme. Satisfação, como tudo o mais na vida é um sentimento relativo. Contudo não vou negar que ouvir isso dele foi como receber um afago no ego. Faz parte de ser carente querer colo, querer que as pessoas apoiem você, concordem com você e que entendam como se sente. Como disse, não sei se ele foi realmente sincero ou apenas disse o que eu queria ouvir para me fazer calar a boca, afinal eu tenho o dom de ser muito repetitivo em minhas reclamações. Sou da opinião de que pessoas que reclamam demais, das mesmas coisas repetidamente o fazem porque querem ter razão, querem que alguém lhes diga “você está certo, concordo com o que acha”. Não nego que esse seja meu caso em algumas situações, não queremos opiniões, queremos apoio. Não estou dizendo que estou certo, apenas relatando que é assim que me sinto.
Em um dos trechos da canção “Aloha”, da Legião Urbana, Renato Russo escreveu: “E meus amigos parecem ter medo de quem fala o que sentiu. De quem pensa diferente, nos querem todos iguais”. Talvez esse medo que ele afirma que as pessoas sintam seja não apenas o de serem julgadas, mas também pela faca de dois gumes que é você se abrir com alguém. Quem ouve muitas vezes não sabe o que dizer, quem fala muitas vezes quer que o outro diga o que quer ouvir. No final, ninguém de fato diz como se sente em relação a muitas coisas.
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