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Sobre queijo suíço, caixas de papelão, distância e coisas que são como são

quinta-feira, 30 de março de 2023

Desde criança sempre tive uma dificuldade muito grande para lidar com separações, sejam elas por quais motivos forem, bons ou ruins. Por causa da solidão e da carência, sempre me apego demais a alguma pessoa que me dê uma atenção maior e quando, algum dia, por algum motivo ela precisa seguir seu caminho, sofro muito, sinto como se ficasse em mim um buraco onde antes estava esse relacionamento. E como até hoje, beirando meus 47 anos ainda costumo me sentir assim, posso dizer que me tornei basicamente um queijo suíço, cheio de pequenos espaços vazios onde antes existiam sentimentos intensos (de minha parte, pelo menos). Em breve vai acontecer de novo e, como sempre, terei de lidar com o fato. Faço isso hoje melhor do que antigamente, mas ainda assim não consigo evitar de me deixar abater pelo acontecido.

Descobri recentemente que um amigo do qual gosto muitíssimo e ao qual me apeguei bastante nos últimos anos vai se mudar para outra cidade por motivo de trabalho, o que é ótimo para ele, diga-se de passagem. Não sei os detalhes ainda porque acabei descobrindo sozinho o acontecido pois o vi perguntando por caixas de papelão para mudança, nas redes sociais. Num primeiro momento não fiquei tão surpreso, pois morando aqui em Bauru ele já se mudou duas vezes, então deduzi que essa seria apenas mais uma. Claro que, imediatamente já me fiz a pergunta de milhões: "Pra onde? Perto ou longe? Espero que não seja para algum bairro muito distante".

Entretanto, um dos fardos da solidão é que você, por não ter muito com quem conversar, pensa demais sobre tudo, o tempo todo. Então, alguns dias depois assim que surgiu a oportunidade, fui o mais dissimulado que pude e o procurei online para fazer a pergunta que me assombrava. Basicamente "joguei verde para colher maduro", como diz o ditado. Como quem não quer nada, perguntei se ele estava se mudando de cidade, torcendo de forma egoísta para que a resposta fosse negativa. Nos conhecemos há mais de dez anos e apesar de saber que esse tipo de acontecimento é parte natural da vida, como já disse, pra mim é muito difícil de lidar cada vez que acontece.

Ele, da forma mais natural e corriqueira possível, como quem diz que vai ali na esquina comprar cigarros e já volta, disse que sim, que ainda não havia contado nada pra ninguém, só pra família e alguns poucos colegas de trabalho e que pretendia me contar futuramente, quando nos encontrássemos pessoalmente, mas já que eu havia descoberto sozinho, sim, é verdade. Confesso que inicialmente me senti ofendido, afinal desde sempre eu me dou mais importância do que realmente mereço, achando que tenho algum tipo de prioridade nas escolhas dos outros. Sei que parece prepotência, mas não, é um dos efeitos colaterais da minha carência. Por uns trinta segundos fiquei pensando no porque eu não fui escolhido por ele para ser uma das primeiras pessoas a saber da notícia, afinal, eu me considero um de seus melhores amigos.

Li sua resposta e engoli em seco, tentando não deixar transparecer, mesmo que por mensagens escritas, que eu havia ficado abatido pela resposta positiva. Afinal, repetindo, são acontecimentos normais na vida de qualquer um e pelos quais já passei uma dezena de vezes. Além do mais, por mais egoísta que minha carência me torne, tenho plena consciência de que o acontecido foi algo bom e importante em sua vida, uma oportunidade, e que, assim como ele com certeza está muito feliz com isso, eu, como amigo que digo ser, também devo ficar. Por mais que o distanciamento vindouro me afete, considero minha obrigação de amigo, fazer um esforço para ficar feliz por ele tal qual ele ficaria por mim, caso a situação fosse inversa.

A verdade é que, embora para quem vê de fora pareça o oposto, fico feliz pelas conquistas de um amigo do qual realmente goste, mesmo que não o diga com palavras, mesmo que não consiga sequer demonstrar com um sorriso, o caso é que fico triste por mim. Sendo egoísta, a dor pelo que vou perder acaba se sobrepondo a alegria pelo que o outro tem a ganhar. Fico feliz pelo outro, juro, mas acabo ficando mais triste por mim. E tenho de fazer um esforço homérico para fingir que estou aceitando tudo numa boa, afinal, como conseguir chegar na outra pessoa e abrir o coração de forma que não pareça um drama exagerado? Que o simples fato dela ir pra longe de você, mesmo que não tão longe assim, vai te fazer sofrer mais do que o normal? Que ela vai te fazer falta mais do que imagina?

Muito provável que ele tenha percebido que a notícia não me caiu muito bem e foi logo dizendo que devo ficar tranquilo, pois sempre seremos amigos, que isso não será um adeus, que quase nada vai mudar, que além de continuarmos conversando normalmente de tempos em tempos, quando possível ele vai voltar pra Bauru para visitar a família e os amigos e que então poderemos nos rever. Além disso, disse que depois que tudo estiver ajeitado em sua nova casa, quem sabe eu poderia ir visitá-lo vez ou outra também, mesmo ele não tendo me dito, até esse ponto da conversa, para qual cidade vai se mudar.
De minha parte concordei, afinal nada de ruim aconteceu. Por mais amigos que tenhamos, todos precisamos seguir com nossas vidas individuais e sempre buscar o que for o melhor para nós mesmos. As pessoas que amamos, nossos familiares, amigos, devem ser importantes para nós, mas acima de tudo devemos ser importantes para nós mesmos.

Todavia sabemos que em muitos casos é mais fácil falar do que fazer. Eu já sofri muito e às vezes ainda sofro criando expectativas para determinadas situações. Se combino algo com alguém, se uma pessoa me promete algo. Fico esperando que tudo corra como o planejado e se isso não acontece, fico intensamente frustrado.

Eu o considero e sempre o considerarei uma boa pessoa e um amigo querido, contudo ele é bastante ocupado e quase não tem tempo sobrando para que possamos nos ver ou conversar, seja online ou presencialmente. E embora eu não o culpe por isso, pois seria absurdo fazê-lo, não nego que fico bastante frustrado por conseguirmos nos encontrar bem menos do que eu gostaria. Está quase que o tempo todo trabalhando, estudando e, no seu tempo livre, resolvendo os próprios assuntos pessoais ou relaxando da forma que merece e que melhor lhe convêm. Creio que a última vez que consegui vê-lo pessoalmente foi na metade de 2022. E embora eu faça um esforço grande para respeitar as escolhas e o espaço pessoal do próximo, não nego que muitas vezes me sinto um pouco deixado de lado.

Não duvido nem por um minuto que ele esteja sendo sincero quando diz que nada vai mudar, que continuaremos nos falando e que vamos nos encontrar quando for possível para ele, mas o caso é que, mesmo morando aqui em Bauru, com sua rotina corrida e desgastante ele mal conseguia tempo livre para nos vermos ou conversarmos, às vezes, ficando vários dias sem responder minhas mensagens. Então, apesar da boa vontade creio que na prática as coisas não serão como almejamos. Estando ele em outra cidade, provavelmente terá ainda menos tempo, então, cabe a mim aceitar, compreender, tentar me acostumar com sua ausência e acima de tudo respeitá-lo e ao seu tempo. E como eu mesmo disse a ele, pode demorar um pouco para que eu me acostume, vou ficar bastante melancólico por um período, mas a vida e a rotina precisam seguir. procuro sempre me colocar no lugar do outro e penso que ele faria o mesmo por mim, caso fosse eu a me mudar.

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