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Sobre esbarrar em batentes, acidentes de trânsito e a tênue linha entre a indiferença e a desesperança

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

De tempos em tempos tenho períodos nos quais me sinto péssimo psicologicamente. Passo dias seguidos remoendo meus problemas, mágoas, tendo pensamentos negativos, fico bastante agressivo, mal-humorado e confuso, não conseguindo me concentrar em nada e nem organizar meus pensamentos. É quase como se eu estivesse constantemente drogado ou bêbado, ao ponto de ter sintomas físicos, como muito cansaço, desorientação e perda de coordenação. Se vou atravessar uma porta, não importa o quão larga ela seja, sempre acabo esbarrando no batente, mas acho que o sintoma mais forte mesmo é a irritabilidade. Coisas mínimas me tiram a paciência, pessoas alegres me irritam. Basicamente eu passo a operar numa sintonia oposta do resto das pessoas. Quando eu era mais novo tinha menos controle sobre isso, explodia facilmente e vez ou outra acabava atingindo as pessoas ao meu redor sem que elas merecessem. Por isso hoje, quando me sinto assim, busco o isolamento, pois fico propenso a machucar os mais próximos a mim. Vê-los felizes e agindo normalmente enquanto eu me sinto péssimo me deixa furioso, então, se as coisas chegam a esse ponto, o melhor é eu dar uma sumida. 

Durante essas “crises”, minha indiferença e desprezo para com o mundo e as pessoas aumenta bastante. Sabem quando alguém está com raiva e diz “se fulano for atropelado na minha frente eu nem vou ligar, vou olhar e continuar andando”. Pois é, isso literalmente já me aconteceu. 
Certa vez eu estava voltando a pé do trabalho no fim do dia e como estava estressado decidi fazer um trajeto diferente, atravessando uma das principais avenidas aqui da cidade. Ela é bem larga, com várias pistas indo e vindo e um canteiro central, é preciso estar atento para atravessá-la a pé. Enquanto esperava o semáforo fechar para poder atravessar até o canteiro central, nele já estava um rapaz, provavelmente um estudante, se preparando para cruzar as outras pistas, ele parecia com pressa. 
É estranha a sensação de quando, segundos antes de algo acontecer você sabe que vai acontecer. Seus olhos correm rápido por todos os elementos que compõe a cena na sua frente e é como ligar os pontos em questão de segundos. Um motociclista vindo e o garoto teve a infeliz impressão de que, se corresse, poderia atravessar na frente, mas não. O motociclista freou, mas não conseguiu evitar a batida. 

Com o impacto o garoto voou uns dois metros, caiu no meio da pista e ficou imóvel. O motociclista caiu também, foi arremessado para a calçada, se levantou, sentou e começou a gritar por socorro. O garoto ainda caído no meio da pista, desacordado... suponho.
Se me assustei com o acidente repentino? Claro que sim, não esperava que fosse acontecer. Se fiquei abalado ou preocupado com os envolvidos? Sinceramente não. Fiquei observando tudo como se estivesse vendo uma cena de filme. Estava cansado, com fome, mal-humorado e minha preocupação e anseio naquele momento era chegar logo em casa.
O que eu ainda não contei é que, milagrosamente, segundos depois do acontecido uma viatura policial que estava logo atrás da moto parou e foi socorrer os envolvidos. Ainda fico refletindo se foi isso o que me fez ignorar o acontecido e simplesmente continuar meu caminho pra casa ou se eu simplesmente não me importaria de qualquer forma. Mesmo que não houvesse nada o que eu pudesse fazer no momento, foi normal eu ter me sentido tão indiferente ao que acabara de presenciar? E mais: Isso sou eu ou era eu apenas naquele momento, naquele dia ruim? 

Hoje aconteceu de novo. Não foi algo tão intenso nem direto, mas novamente me peguei não demonstrando preocupação ou empatia pelos envolvidos. Estava vindo pro trabalho de ônibus, sentado no meu assento, mexendo no celular quando, já no centro da cidade, enquanto nosso motorista parou no sinal vermelho, todos os passageiros se levantaram espantados e foram pras janelas observar a pista ao lado. Mais uma vez um motociclista caído na pista, entregador suponho eu, várias pessoas ao redor e um pouco mais ao lado, uma senhora idosa, caída no chão imóvel. Pelo que ouvi dos passageiros a mulher foi tentar atravessar ainda no sinal verde para os carros, o motociclista não conseguiu parar e a atropelou. E dentro do ônibus, enquanto todos estavam em pé nas janelas murmurando “ah meu Deus”, “Ah coitado” ou “E agora?”, eu só conseguia pensar em quantos minutos chegaria atrasado no trabalho

Relatando as coisas desse jeito sei que a impressão que passo é que estou indiferente e frio a tudo e todos, inclusive meus amigos e familiares, mas para o meu próprio alívio não cheguei a esse ponto. Não que minha indiferença em relação a estranhos não seja preocupante, algo que sinto que precise estar atento, na verdade parte de mim tem se preocupado com isso e espero que seja um bom sinal, um sinal de alerta. Penso dessa forma porque as vezes sinto uma linha tênue vinda de mim, entre a indiferença e a desesperança.




1 Divagações

  1. Só o fato de vc estar compartilhando já mostra que vc não está tao indiferente assim. Na verdade vc está é cansado, e como nada nunca muda..pq s preocupar com o próximo já que o proximo nao tá nem ai pra vc?? Sei bem como é isso. Nem é ser egoísta nem nada, mas tem certas coisas que só entende quem passa.Com o passar dos anos a gente percebe que muita coisa " nem vale a pena mesmo" ...então bora aguentar mais um dia. Gpsto muito do seu blog...vc devia postar mais.

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